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João de Souza Machado, personagem de Porto Alegre mais conhecido como João dos Livros, morreu na madrugada do último sábado, na garagem de fachada colorida que transformou em casa e em espaço para vender livros e falar sobre eles. Após chegar de um jantar de Dia dos Pais, não resistiu a um infarto. Tinha 77 anos.
João foi plantador de arroz, servente de pedreiro, auxiliar de serviços gerais, sapateiro, entre outras profissões – ele contava que chegou a passar por mais de 20. Mas foi como livreiro que garantiu ter realizado uma vocação que o encontrou desde que aprendeu a ler, com a ajuda de um vizinho, sem frequentar a escola, em Tapes, cidade onde nasceu.
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Embora a Garagem do Livro exista desde 2009, João vendia obras desde 10 anos antes. Decidiu se dedicar ao ofício depois de seguir o conselho de um amigo para diminuir a vasta biblioteca montada ao longo de sua trajetória. Mantinha uma sapataria no bairro Cristal e, nos finais de semana, deslocava-se para a Usina do Gasômetro com caixas de livros no bagageiro de um Gol ano 1985. Acabou fazendo amigos na região, e um deles era o dono da casa para a qual se mudou e transformou em livraria.
Quem visitava o espaço, dificilmente saía de lá apenas com uma ou mais obras. João, que se descrevia como "muito conversador", fazia questão de compartilhar experiências literárias e histórias. Talvez tenha sido esse o motivo que o levou a organizar um sarau literário, toda segunda sexta-feira de cada mês, para receber outros leitores.
– Era um homem extremamente acolhedor e generoso – ressalta a artista Elida Tessler, que também o considerava um grande professor.
Durante a Bienal do Mercosul de 2011, Elida "tomou posse" do número 214 da Rua General Salustiano para transformar o espaço em obra de visitação artística. João se tornou um anfitrião informal, testemunhando ao vivo o encontro entre livraria e galeria de arte em meio a exemplares antigos de obras literárias, manuais técnicos, enciclopédias e uma grande quantidade de literatura de temas esotéricos.
A livraria de João se tornou a única da Capital incluída no módulo Cidade Não Vista, da 8ª edição da Bienal. No projeto, artistas realizavam intervenções e instalações em paisagens locais que, muitas vezes, não são percebidas pelos passantes.
João foi casado quatro vezes. Ele deixa seis filhos, 11 netos e três bisnetos.