A Ucrânia colocou nesta quinta-feira suas tropas em estado de alerta ao longo da linha de demarcação com a Crimeia após a retomada da tensão com a Rússia, que afirmou ter frustrado atentados preparados por Kiev nesta península anexada em 2014.
Mais de dois anos depois da anexação da península ucraniana após um referendo considerado ilegal pelos países ocidentais, a denúncia de Moscou, desmentida por Kiev, deu lugar a uma troca de acusações como não havia ocorrido em meses e obrigou as duas partes a reforçar seus dispositivos militares na zona.
"Eu ordenei a todas as unidades nas regiões situadas na fronteira administrativa com a Crimeia e ao longo da linha de frente no Donbass (leste da Ucrânia) que entrem em estado de alerta", anunciou o presidente ucraniano, Petro Poroshenko.
Poucas horas antes, o presidente russo, Vladimir Putin, anunciou que reforçaria a segurança na Crimeia, após acusar as autoridades ucranianas de "passar ao terror".
"Foram debatidas medidas adicionais" no conselho de segurança russo "para garantir a segurança dos cidadãos e das infraestruturas vitais da Crimeia", explicou a Presidência. Os participantes "estudaram detalhadamente as possíveis medidas antiterroristas para proteger as fronteiras terrestres, as águas territoriais e o espaço aéreo da Crimeia".
Este Conselho de Segurança reuniu o primeiro-ministro, Dmitri Medvedev, os ministros das Relações Exteriores, Serguei Lavrov; da Defesa, Serguei Choigu, e do Interior, Vladimir Kolokolsev, assim como encarregados dos serviços secretos russos (FSB), Alexandre Bortnikov, e da inteligência exterior (SVR), Mikhail Fradkov.
Uma autoridade da Otan declarou que a Aliança acompanha "de perto e com preocupação" a situação na região da Crimeia.
"A Rússia não forneceu nenhuma prova tangível de suas acusações contra a Ucrânia", acrescentou.
Neste contexto, o Conselho de Segurança da ONU se reuniu nesta quinta para discutir a tensão crescente entre Rússia e Ucrânia.
"Estamos extremamente preocupados com o aumento da tensão perto da fronteira administrativa entre a Crimeia e a Ucrânia", declarou, por sua vez, a porta-voz do departamento de Estado americano Elizabeth Trudeu.
Desviar a atenção?
O FSB acusou Kiev de ter lançado várias incursões de "sabotadores-terroristas" que terminaram em confrontos armados e que custaram a vida, segundo Moscou, de um agente do FSB e de um militar russo.
Segundo o FSB, um primeiro grupo foi descoberto perto da cidade de Armiansk, na Crimeia, na madrugada de 7 de agosto em posse de vinte artefatos explosivos caseiros e vários quilos de TNT. Outros dois grupos foram interceptados na noite seguinte, apoiados por disparos do exército ucraniano, segundo a mesma fonte.
Fontes citadas pelo jornal russo Kommersant afirmaram que as pessoas detidas queriam atacar zonas turísticas da península, conhecida por suas praias, para "semear o pânico" provocando pequenas explosões.
Poroshenko denunciou acusações "absurdas e cínicas", que servem de "pretexto para novas ameaças militares contra a Ucrânia".
O ministério da Defesa ucraniano evocou uma "tentativa de justificar a mobilização e as agressões" das forças russas na região.
Moscou afirmou ter detido um oficial da inteligência militar ucraniana, Evguen Panov, qualificado de "refém" pelo governo ucraniano. A TV russa mostrou o suposto interrogatório do prisioneiro, que apresentava marcas de agressões e admitia ter sido recrutado por Kiev para atacar um ferry, uma base de helicópteros, um depósito de petróleo e uma fábrica química.
Consultados pela AFP, vários cidadãos da Crimeia que vivem perto da fronteira ucraniana disseram ter visto grandes movimentos de veículos militares na região nos últimos dias.
Os Estados Unidos, através de seu embaixador na Ucrânia, Geoffrey Pyatt, disseram não ter "visto nada que corrobore as acusações da Rússia" e culparam Moscou por utilizar "frequentemente falsas acusações para desviar a atenção de seus atos ilegais".
Em um comunicado, o ministério russo das Relações Exteriores recomendou aos ocidentais que apoiam Kiev que mostrassem "sensatez".
Em teleconferência com seu contraparte francês, Jean-Marc Ayrault, o chanceler russo, Serguei Lavrov, pediu ao Ocidente para advertir à Ucrânia "contra medidas perigosas que poderiam ter as piores consequências".
Processo de paz contestado
Guardas fronteiriços ucranianos anunciaram ter reforçado seu dispositivo entre a Ucrânia e a Crimeia desde "7 de agosto, quando apareceram os primeiros sinais de tensão".
"Nós nos preparamos para tudo", declarou à AFP um alto funcionário dos serviços de segurança ucranianos, considerando que uma invasão russa era possível. "É uma escalada, certamente", disse.
Na quarta, Putin pediu aos ocidentais para "pressionar" as autoridades de Kiev "se quiserem realmente alcançar um acordo pacífico" para o conflito ucraniano.
"Nestas condições, um encontro no 'formato Normandia' (França, Alemanha, Rússia e Ucrânia) na China (durante o G20, em 4 e 5 de setembro) não faz sentido", avaliou o presidente russo.
A Crimeia foi anexada pela Rússia em março de 2014, após uma intervenção militar seguida de um referendo de incorporação, denunciado como ilegal por Kiev e os países ocidentais.
Esta anexação provocou as maiores tensões entre as potências ocidentais e a Rússia desde o fim da Guerra Fria e foi seguida de uma onda de sanções europeias e americanas contra Moscou.
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