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Com 97,88 metros de altura distribuídos por 30 andares, o Residencial La Vue Ladeira da Barra foi projetado para ser um colosso de concreto e vidro encravado em pleno centro histórico de Salvador. Aos compradores, o incorporador Cosbat Empreendimentos oferecia uma vista deslumbrante da Baía de Todos os Santos. O mais notável deles, contudo, pode ser defenestrado do governo sem jamais desfrutar do cenário paradisíaco.
Ministro da Secretaria de Governo, Geddel Vieira Lima é acusado de tráfico de influência e advocacia administrativa pelo ex-ministro da Cultura Marcelo Calero. À Polícia Federal, Calero disse que sofreu intensa pressão de Geddel para liberar a construção do edifício, barrada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). No depoimento, prestado um dia após Calero pedir demissão, ele também afirma ter sido assediado pelo presidente Michel Temer e pelo ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha.
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Abaixo, veja como a sucessão de fatos envolvendo a cúpula do Planalto pode resultar na exoneração de um dos mais influentes auxiliares de Temer.
Fevereiro de 2014
O projeto do La Vue Ladeira da Barra é protocolado na superintendência regional do Iphan na Bahia. Um laudo emitido em conjunto pelo próprio Iphan, governo do Estado e pela prefeitura de Salvador afirma que o impacto paisagístico causado pelo empreendimento não recomenda a construção.
Outubro de 2014
O Escritório Técnico de Fiscalização, órgão que emitiu o parecer contrário ao La Vue, é extinto pelo Iphan.
Novembro de 2014
Com entendimento contrário ao laudo emitido nove meses antes, o coordenador-técnico do Iphan na Bahia, Bruno Tavares, libera o empreendimento. A permissão tem base em um estudo considerado sem valor legal, que delimita área de proteção ao patrimônio no bairro da Barra.
Março de 2015
Com base no laudo do Iphan, a prefeitura de Salvador libera alvará para a obra. Os primeiros apartamentos começam a ser vendidos. Com 255 metros quadrados, cada apartamento vale em média R$ 2,6 milhões.
Setembro de 2015
A seccional baiana do Instituto dos Arquitetos do Brasil ingressa com ação civil pública questionando a obra.
Maio de 2016
Ao analisar o projeto e as regras que regem a proteção do patrimônio histórico na região, a direção nacional do Iphan afirma que a construção não é compatível com o local escolhido. Em seguida, parentes do ministro Geddel Vieira Lima recebem procuração e passam a representar o empreendimento junto ao Iphan.
Novembro de 2016
Ao acatar parecer de sua procuradoria, Iphan embarga a obra.
18 de novembro
O ministro da Cultura, Marcelo Calero, pede demissão. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, ele alega ter recebido sucessivas pressões de Geddel para interceder junto ao Iphan, liberando a obra.
19 de novembro
A entrevista de Calero cai como uma bomba no governo. Acuado, Geddel confirma ter procurado Calero para falar sobre o La Vue, mas nega qualquer interferência indevida.
21 de novembro
Reunida para avaliar a denúncia, a Comissão de Ética Pública tem o trabalho suspenso por um pedido de vista do conselheiro José Saraiva, indicado ao cargo pelo próprio Geddel. Assustado com a repercussão, Geddel telefona ao amigo pedindo que ele recue. O colegiado então decide por unanimidade abrir processo para investigar a conduta do ministro.
22 de novembro
Chorando, Geddel recebe uma moção de solidariedade assinada por 27 líderes e vice-líderes da base de sustentação do governo no Congresso. No documento, os deputados afiançam "amplo e irrestrito" apoio a Geddel e reafirmam "confiança" no trabalho do ministro.
23 de novembro
Atendendo a pedido de liminar do Ministério Público Federal, a Justiça determina a paralisação das obras do La Vue, por entender que o projeto infringe as regras de proteção do patrimônio histórico.
24 de novembro
Vem à tona o depoimento de Calero à Polícia Federal. Aos investigadores, o ex-ministro conta estar sendo pressionado a liberar a obra desde junho. Calero relata ter sido assediado a interferir no caso pelo presidente Michel Temer, pelo ministro-chefe da Casa Civil, Elise Padilha, e por outros assessores do Palácio do Planalto. Desconfiando de que foram gravados por Calero, Temer e Padilha confirmam as conversas, mas negam qualquer ter cometido qualquer irregularidade.