
Presidente acidental, alçado ao cargo pelo impeachment de Dilma Rousseff, Michel Temer tomou posse apresentando-se como um pacificador capaz de "reunificar a todos". Sete meses depois, o peemedebista ainda não conseguiu conciliar nem os seus próprios aliados, muito menos cobrir o fosso que separa os três poderes. Acuado pela recessão e pela perda sucessiva de ministros e colaboradores estratégicos no comando do Congresso, como Eduardo Cunha (PMDB-RJ), Temer vê crescer o receio de que talvez não consiga concluir o mandato. Ainda que de forma cautelosa, a possibilidade já é debatida nos gabinetes de Brasília e no mercado financeiro.
Na última semana, a empresa de consultoria de risco político Eurasia Group elevou de 10% para 20% as chances de Temer não chegar a 2018 à frente da Presidência. Não bastasse a instabilidade econômica, o processo de cassação da chapa Dilma-Temer no Tribunal Superior Eleitoral e o potencial explosivo da delação premiada da empreiteira Odebrecht, envolvida nas investigações da Lava-Jato, são consideradas as maiores ameaças ao peemedebista. No Planalto, é dado como certo que as revelações dos executivos irão implicar pelo menos sete ministros e o próprio presidente. Diante dessas fragilidades e agindo quase sempre em movimento pendular, com avanços e recuos ao sabor da opinião pública, Temer não estaria conseguindo exercer a capacidade de articulação que lhe catapultou ao poder.
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Seus dois principais esteios, o Congresso e o mercado, começam a dar sinais de insatisfação. No Legislativo, os líderes do bloco conservador centrão ameaçaram travar a reforma da Previdência caso o tucano Antonio Imbassahy (BA) fosse confirmado na Secretaria de Governo. Assustado, Temer recuou. No mercado, a demora na redução dos juros e a falta de estímulos ao consumo cevam críticas das federações das indústrias, maior fórum irradiador do pensamento empresarial.
– Se não entregar as reformas que prometeu, Temer perde o apoio do mercado. Só que essa agenda, por ser muito liberal e fiscalista, está assustando o Congresso.
A reforma da Previdência, por exemplo, do jeito que foi anunciada não será aprovada de jeito nenhum – projeta o consultor político do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar Antônio Queiroz.
Outro fator a fragilizar a situação de Temer é o escasso respaldo popular. Segundo pesquisa do Instituto Ipsos, a sensação de que o país está no rumo errado subiu de 83%, em outubro, para 89%, em novembro, e a avaliação negativa de Temer passou a 52%, a mais alta desde a posse. Com gestão voltada basicamente para a agenda legislativa, o presidente não realiza eventos públicos que possam aproximá-lo do povo. A hesitação diante da tragédia com o time da Chapecoense, no qual poderia posar de estadista ao lado dos familiares das vítimas, foi considerada exemplo crasso de falta de sintonia com o espírito das ruas.
Convencido por assessores de que a reclusão tem efeitos ainda mais nefastos sobre sua já escassa popularidade, Temer aceitou viajar ao Nordeste, reduto eleitoral petista. Na sexta-feira, fez a primeira visita à região desde a posse. Ainda assim, com medo de vaias, protegido por um forte aparato de segurança, esteve em municípios pequenos de Pernambuco e cumpriu uma agenda em ambiente fechado no Ceará, retornando a Brasília no fim do dia.
– Não há crise em meu governo. Enquanto falam em crise, nós trabalhamos – afirmou Temer durante evento em Caruaru, na sexta-feira.
O presidente tem consciência de que, embora conduza um governo de transição, só terá tranquilidade para administrar o país caso apresente resultados. Por enquanto, a percepção geral é de que não houve melhorias no campo econômico, tampouco no ético. Dos seis ministros que caíram, quatro foram alvejados por denúncias e dois saíam atirando contra o governo. O recente caso Geddel Vieira Lima já gerou dois pedidos de impeachment.
Para frear essa onda negativa, o presidente encomendou ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, um pacote emergencial para reaquecer a economia. Na segunda-feira à tarde, ele discutia algumas medidas com Meirelles quando foi avisado de que uma liminar do Supremo Tribunal Federal havia afastado Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado. Testemunhas relatam que o presidente perdeu o chão. Dois dias depois, uma gambiarra constitucional costurada pelo Planalto junto ao Supremo manteve Renan no cargo. O episódio, contudo, reforçou a imagem de que Judiciário, Legislativo e Executivo agem num conluio de autoproteção. Se Temer começara a semana aliviado ao ver que as multidões que haviam saído às ruas no domingo não pediam o seu afastamento, agora o presidente receia se tornar o próximo alvo dos protestos.
– O "Fora Renan" será substituído por outro grito de guerra. E o presidente Temer é o principal candidato a assumir esse lugar – afirma o sociólogo Ricardo Antunes, professor da Unicamp.
A situação de Temer se complicou ainda mais na sexta-feira, após o Jornal Nacional veicular reportagem de quase sete minutos relatando pontos da delação premiada de um ex-dirigente da Odebrecht. Cláudio Melo Filho relatou ao Ministério Público Federal (MPF) que o presidente pediu, em 2014, R$ 10 milhões ao empreiteiro Marcelo Odebrecht. A delação envolve homens fortes de Temer, como Moreira Franco, Romero Jucá e Eliseu Padilha.
O que pesa
A delação da Odebrecht
-Aguardada com pavor no Planalto, a delação de mais de 70 executivos da Odebrecht fatalmente causará baixas no governo. Informalmente, circula pelos corredores do palácio a informação de que, além do próprio Michel Temer, pelo menos sete ministros seriam implicados nas revelações da construtora, entre eles dois auxiliares da estrita confiança do presidente: Eliseu Padilha e Moreira Franco.
A cassação no TSE
-Ajuizada pelo PSDB, uma ação por abuso de poder político e econômico na eleição de 2014 pode cassar o mandato do presidente. A chapa DilmaTemer é acusada de usar dinheiro desviado da Petrobras na campanha. Temer nega irregularidades, alegando que a arrecadação era feita em contas separadas. A tendência, contudo, é o TSE negar a divisão da chapa. O julgamento será em 2017.
O repúdio popular
-Desde a posse, Michel Temer perdeu seis ministros. A postura dúbia em relação ao pacote anticorrupção e a tentativa de ajudar o ex-ministro Geddel Vieira Lima no episódio do apartamento em Salvador podem fazer de Temer o próximo alvo das manifestações de rua, depois do "Fora Cunha" e "Fora Renan".
A crise institucional
-A liminar que determinou o afastamento de Renan Calheiros da presidência do Senado – o Supremo Tribunal Federal (STF) manteve o peemedebista no cargo, mas o proibiu de assumir a Presidência da República – provocou uma crise institucional envolvendo o STF e o Congresso. Antes, a prisão de policiais legislativos suspeitos de atrapalharem as investigações da Lava-Jato já havia estremecido a relação entre os dois poderes. Com o iminente avanço da operação, Temer receia ser tragado para crise semelhante.