
Cinco meses depois de Zero Hora revelar que empresa terceirizada cobrava do Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) pela limpeza de bueiros que não existem nas ruas de Porto Alegre, uma revisão interna mostrou que outros 15 contratos têm irregularidades ou inconsistências na comprovação de serviços.
Até o momento, em relação a três empresas, o DEP já apurou que foram pagos R$ 1,3 milhão por trabalhos não executados.
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Um dos principais problemas detectados se refere à realização de serviços fora do que foi contratado, mas que foram cobrados como trabalho relacionado ao contrato. Em depoimento a autoridades, representantes de empresas envolvidas têm dito que recebiam ordens da direção-geral do DEP para fazer serviços não previstos no objeto e que tinham autorização para cobrá-los como se fossem parte do contrato que mantinham com o departamento.
O nome mais citado pelas testemunhas como responsável pelas ordens é o do ex-diretor-adjunto do DEP Francisco Eduardo Mellos dos Santos. Um empresário contou, por exemplo, que teve que trocar pneus de uma retroescavadeira. Depois, cobrou o serviço declarando uso de materiais em uma obra fictícia.
Outro empreiteiro disse que recebeu ordem para substituir a rede elétrica de um imóvel do DEP. Fez o serviço e cobrou como se tivesse feito rotineiras trocas de óleo em retroescavadeiras, trabalho de manutenção previsto em contrato. Esse são exemplos do que ocorria dentro dos contratos que, além de não serem fiscalizados, tinham seu objeto distorcido com aval de gestores.
Paulo Guilherme Silva Barcellos da Silva, que comandava a Divisão de Conservação (Dcon) do DEP e é investigado por ter atestado serviços que não foram executados, também disse em depoimento que a direção-geral fazia solicitações diretamente às empresas. Ele declarou ainda que ficava sabendo posteriormente dos pedidos, que essas solicitações não eram formalizadas e que cabia a ele ordenar os pagamentos.
Em julho, reportagem de ZH mostrou que a empresa JD Construções cobrava pela limpeza de bueiros que não existem, superfaturando os números. E o DEP, sem fiscalizar o serviço, pagava. A partir de apuração interna dos prejuízos, a empresa admitiu devolver R$ 4,9 milhões à prefeitura. Depois da publicação, Mellos e o então diretor-geral Miguel Barreto se afastaram do comando do órgão. A Procuradoria-Geral do Município (PGM), que fez intervenção no DEP e conduziu sindicância e inspeção nos contratos, não instaurou procedimento em relação a gestores e ex-gestores do DEP.
Mas no relatório da apuração, a PGM registrou que dos depoimentos "extrai-se uma possível evolução patrimonial incompatível com a renda de Mellos, o que, pelos meios de investigação disponível, não é possível aferir". A procuradoria encaminhou as informações para conhecimento das Promotorias de Defesa do Patrimônio Público e Especializada Criminal. As duas promotorias têm investigações abertas a partir das reportagens de ZH, mas não comentam detalhes do que está sendo apurado.
Até o momento, Mellos só prestou depoimento na sindicância do DEP. Disse que a direção não tinha condições de controlar tudo e ressaltou que o DEP sofria com a falta de engenheiros e de recursos humanos. Foi questionado sobre o motivo de ter colocado insufilme nos vidros de sua sala – local usado para receber representantes das empresas terceirizadas.
Alegou que o fez porque a claridade dificultava o trabalho no computador. Confirmou a informação apurada pela PGM de que cuidava mais da Dcon, enquanto o diretor-geral tratava das questões da Divisão de Obras. Mellos, que é do PMDB, dividiu o comando do DEP com Miguel Barreto e Tarso Boelter, ambos ligados ao PP.
Mellos não foi questionado pela PGM sobre suposta pressão em relação a um engenheiro do DEP. Em depoimento, um engenheiro relatou que quando se negou a assinar medições de um serviço por julgar que não estava feito a contento e na quantidade declarada, foi afastado da fiscalização do contrato por Mellos. Há outros relatos de que o então diretor-adjunto pressionava funcionários para que serviços declarados por empresas fossem plenamente atestados.
Quem é Mellos
Formado em Educação Física, trabalhou como motorista na campanha do PMDB em 2004. Desde 2005, passou por diversos órgãos da prefeitura, como Dmae, Smov e Smam. Assumiu como diretor-adjunto do DEP em 2014.
CONTRAPONTOS
O que diz Francisco Eduardo Mellos dos Santos
Nunca autorizei nada disso (sobre serviços fora dos contratos). Era uma pessoa que trabalhava muito, não media esforços para atender a comunidade, só que tem algumas pessoas que não gostam de mim no departamento. O contrato era claro, a medição quem assinava não era eu, tinha fiscais para isso. Nunca houve pressão para atestar serviços. O insufilme na minha sala era por causa da claridade, na casa que eu morava com minha ex-mulher também tinha. A casa própria que eu tinha ficou com minha ex-esposa. Desde lá, moro de aluguel. O que tenho é um carro, não vejo problema em ter, não bebo, não fumo, não faço festa. Eu fui a Miami com minha filha, tenho a passagem parcelada no meu cartão de crédito. Fomos passear em Orlando e, como Miami é perto, fomos conhecer. Me doei, ajudei todo mundo e agora querem meu pescoço.
O que diz a PGM
O relatório da inspeção especial realizada por esta Procuradoria no DEP foi encaminhado ao Ministério Público, a fim de que houvesse aprofundamento da apuração. A PGM não descarta o ajuizamento de ação de improbidade administrativa contra o senhor Francisco Mellos.
Contratos com problemas na Divisão de Conservação do DEP
1- Limpeza de bueiros (JD Construções)
Empresa cobrava por serviços inexistentes. Aceitou devolver R$ 4,9 milhões e o contrato não foi renovado.
2- Reconstrução de redes seção Leste (JD Construções)
Em apuração, com indícios de irregularidades.
O que diz Cesar Augusto Hack Filho, advogado da JD Construções
Não vamos nos manifestar antes da notificação.
3- Hidrojateamento (JB Comércio e Serviços)
Serviço de hidrojato em redes subterrâneas era cobrado como feito em extensões de rede maiores do que a existente. Pelo menos R$ 436.354,85 foram pagos por serviços não feitos, segundo o DEP.
O que diz Marcos Martins, gerente da JB
Todo nosso trabalho era acompanhado por uma equipe do DEP, que dizia a extensão de rede a ser feita. Não tem cobrança a mais. Estamos fazendo levantamento de documentos.
4- Manutenção de equipamentos (REF Manutenção e Locação)
Serviços com inconsistências, com cobranças muito repetidas.
5- Reforma geral das Casas de Bombas (REF Manutenção e Locação)
Serviços não concluídos ou feitos fora do objeto. DEP apurou ao menos R$ 203.673,40 pagos por trabalhos ainda pendentes.
O que diz Clodoaldo Mello, um dos sócios da REF
Já prestamos depoimento no DEP e para a polícia e ficou esclarecido. A sindicância entendeu que a irregularidade era mais por parte da diretoria, do Francisco Mellos, que pedia serviços fora do contrato. Nós comprovamos todos esses serviços. E no outro contrato quem pedia serviços eram os responsáveis pelas zonais. Vamos assinar um TAC com o DEP e fazer o que está faltando.
6- Reformas nas Casas de Bombas (Imbil)
Foi detectado que atendeu pedidos fora do objeto do contrato e deixou de entregar serviços previstos em contrato. DEP aponta que R$ 707.572,92 foram pagos por serviços não concluídos.
O que diz Luiz Fernando Souza, representante da Imbil
Fui chamado a depor na polícia como testemunha. Fizemos serviços fora do objeto do contrato, mas todos estão registrados em relatórios. E, por conta disso, tenho serviços a prestar. Vamos acertar tudo com o DEP.
7- Desassoreamento e dragagem de galerias (Encosan Engenharia e Saneamento)
Detectadas inconsistências nos serviços.
8- Reconstrução de redes seção Centro (Encosan Engenharia e Saneamento)
Em apuração, com indícios de irregularidades.
O que diz a Encosan
Desconhecemos qualquer procedimento investigativo sobre os referidos contratos e informamos a inexistência de qualquer irregularidade no curso das relações contratuais.
9- Reconstrução de redes seção Sul (Brasmac Engenharia)
Em apuração, com indícios de irregularidades.
10- Desassoreamento e dragagem de Arroios (Brasmac Engenharia)
Detectadas inconsistências nos serviços.
O que diz a Brasmac
ZH deixou recados na empresa, mas não obteve retorno.
11- Reconstrução de redes seção Norte (Construtora Minosso)
Em apuração, com indícios de irregularidades.
O que diz Lenocir Minosso, dono da Minosso
Estou pressionando para que o DEP termine logo esse levantamento, sindicância. Quero receber o que me devem. E se tiver alguma pendência, vou resolver. Mas não tenho. Não estou devendo nada.
12- Operação das Casas de Bombas (Cootravipa)
Apuradas irregularidades documentais.
13- Manutenção corretiva Centro (Cootravipa)
Ainda não apurado.
14- Manutenção corretiva Leste (Cootravipa)
Ainda não apurado.
15- Manutenção corretiva Norte (Cootravipa)
Ainda não apurado.
16- Manutenção corretiva Sul (Cootravipa)
Ainda não apurado.
O que diz Jorge Luiz Bittencourt da Rosa, da Cootravipa
Tudo que está previsto nos contratos está sendo feito.