Há pouco mais de 10 anos, os agentes da Patrulha Fronteiriça dos EUA ficaram assustados com uma mudança inesperada na sua batalha de retaguarda para impedir a imigração ilegal: os brasileiros.
Em 2005, milhares deles começaram a atravessar a fronteira sudoeste. Mais de 31 mil foram apreendidos pela Patrulha Fronteiriça tentando entrar nos Estados Unidos, um número superado apenas por mexicanos, salvadorenhos e hondurenhos.
Então, com a mesma rapidez, o fluxo foi interrompido. Sob pressão de Washington, o México voltou a exigir visto de turismo para brasileiros, que havia sido abolido apenas cinco anos antes. Essa medida estancou uma rota de tráfico que havia sido iniciada com a facilidade de um voo do Rio de Janeiro a Cancún, e que acabava em uma trilha pelo deserto, até o sul do Texas.
Em 2006, apreensões de brasileiros pela Patrulha Fronteiriça caíram 95 por cento, chegando a apenas 1.460 pessoas. Atualmente, poucos tentam a jornada. Ao longo dos últimos três anos, são dezenas de milhares de guatemaltecos, hondurenhos e salvadorenhos que chegam com a esperança de atravessar o México para chegar aos Estados Unidos.
Contudo, assim como em 2005, a principal ferramenta que os Estados Unidos têm para impedir que os imigrantes centro-americanos atravessem ilegalmente a fronteira – o muro, por assim dizer – é o próprio México. O país é a ferramenta que o governo Trump corre o risco de perder.
Desde as confusões dos primeiros dias do governo de Donald Trump, quando o presidente Enrique Peña Nieto, do México, cancelou uma visita aos Estados Unidos, depois que Trump repetiu que o México pagaria pelo muro que ele havia prometido construir, as autoridades mexicanas imaginaram que mentes mais serenas iriam moderar algumas das propostas mais hostis defendidas por Trump.
A estratégia de desenvolvimento do México ao longo das últimas três décadas consistiu em unir sua economia à dos EUA. O Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA, na sigla em inglês) deveria funcionar como a locomotiva do crescimento nacional, atraindo investimento de multinacionais que atendem o enorme mercado americano. A imigração em direção ao norte servia como válvula de pressão, permitindo que o país resistisse a repetidas crises financeiras, uma vez que o mercado dos EUA absorveria parte dos desempregados mexicanos. Não à toa, esse processo também contribuía para o crescimento econômico dos EUA.
Com Trump prometendo dar as costas ao vizinho do sul – renegociando o NAFTA e adotando termos piores para o México, além de construir um muro na fronteira – as autoridades mexicanas tentam desesperadamente convencer o governo Trump de que os Estados Unidos também precisam do México.
Entretanto, provavelmente terão suas esperanças frustradas.
As diretrizes do ataque de Trump à imigração pretender perseguir, deter e deportar imigrantes que vivem sem autorização nos EUA. Foram contratados dez mil agentes migratórios e cinco mil agentes de patrulha fronteiriça. Além disso, o órgão de Proteção à Fronteira e à Alfândega foi orientado a iniciar os projetos de construção do muro.
E, em uma medida que causou revolta no México, as diretrizes instruem as autoridades de imigração a devolver quaisquer imigrantes ao "território do país por onde entraram nos EUA" enquanto aguardam o procedimento de deportação. Ou seja, o governo irá entregá-los ao México.
As autoridades do Departamento de Segurança Nacional argumentam que devolver os centro-americanos ao México seria um processo realizado de forma limitada e apenas após discussões com o governo mexicano. Entretanto, parece improvável que uma medida que visa reduzir os custos do governo americano, empurrando-os para os mexicanos, seja bem recebida na Cidade do México.
"Isso violaria todos os acordos e convenções", afirmou Gustavo Mohar, que já foi o principal negociador mexicano para assuntos de imigração com os EUA.
"O México é obrigado a receber os mexicanos, mas tem o direito de exigir documentos que provem que eles são de fato mexicanos", afirmou Mohar.
O que o México poderia fazer? Não aceitar pessoas que não possam comprovar que sejam cidadãos mexicanos? O ex-ministro do Exterior, Jorge Castañeda, me contou que uma das opções seria abrir o caminho e permitir que os centro-americanos cruzem do México para os Estados Unidos.
Eis o que está em jogo: no ano passado, o México devolveu 143.057 imigrantes centro-americanos para seus países de origem. Mais de 59 mil imigrantes guatemaltecos foram capturados no norte do país e repatriados, assim como quase 48 mil hondurenhos e 31 mil salvadorenhos, de acordo com a Organização Internacional de Migração.
Ao todo, o México parou e devolveu quase duas vezes mais centro-americanos que os Estados Unidos. A questão é a seguinte: será que o muro de Trump seria capaz de fazer o mesmo?
A história sugere que a política mais produtiva seria contribuir com a gestão migratória de países mais pobres, para garantir que ela permaneça na legalidade. Tentar impedir o fluxo simplesmente o torna menos visível. Um programa de trabalhadores temporários operado pelo México e os Estados Unidos poderia ajudar alguns imigrantes, proteger os trabalhadores norte-americanos e preencher as expectativas dos empregadores dos EUA, afirmam especialistas.
Contudo, mesmo que essas políticas liberais estejam fora do alcance político, o argumento em favor da cooperação entre México e Estados Unidos continua a ser importante.
Atualmente, a imigração ilegal do México é um problema relativamente menor. A apreensão de imigrantes mexicanos na fronteiro atingiu os níveis mais baixos desde os anos 1970. Mais mexicanos estão voltando para seu país, do que chegando ao norte através da fronteira. No ano passado, a Patrulha Fronteiriça apreendeu mais centro-americanos do que mexicanos. Agora, o México se tornou uma mera passagem.
Nos EUA, governos anteriores reconheceram a importância da ajuda mexicana. Washington deu US$24 milhões ao México para contribuir com o controle da imigração – principalmente na forma de treinamentos e equipamentos de alta tecnologia –, além de separar outros US$75 milhões para a mesma função.
Naturalmente, o México não faz isso apenas por amor aos seus vizinhos do norte. Segundo Mohar, mesmo que os EUA sejam o destino final, dezenas de milhares de centro-americanos em fuga para o norte causam estresse nas comunidades mexicanas. Se as autoridades do país simplesmente permitirem o livre trânsito dessas pessoas, isso geraria uma enorme pressão nas cidades da fronteira.
Apesar de tudo, o governo Trump pode reconhecer que impedir que os centro-americanos cheguem aos Estados Unidos resulta em um alto custo político para o governo mexicano. Em 2014, quando Peña Nieto anunciou o Plano da Fronteira Sul para aumentar a segurança em torno dos pontos de entrada na fronteira, foi criticado por fazer o trabalho sujo para os Estados Unidos.
"Isso virou notícia no México: Por que estamos tratando os imigrantes centro-americanos da mesma fora que os Estados Unidos tratam os mexicanos?", afirmou Andrew Selee, o vice-presidente do Wilson Center, em Washington, um centro de pesquisa especializado em relações internacionais.
"O governo mexicano persistiu porque compreendeu que uma crise migratória na fronteira com os Estados Unidos também poderia trazer prejuízos ao México. Há mais em jogo do que o relacionamento que eles não queriam arriscar."
Ao ameaçar o México com a construção do muro e o fim do NAFTA, Trump está mudando essa equação. Se hostilidade é tudo o que ele tem a oferecer, o custo político da aliança do México com os EUA pode se revelar alto demais.
Por Eduardo Porter