Com quatro vezes mais farmácias do que o recomendado, o Brasil vive uma "cultura do remédio", o que dá a sensação a quem transita pelos centros urbanos de que há uma drogaria em cada esquina. Fenômeno que não é exclusividade da Capital, cresce o número de estabelecimentos pelo Interior a dentro, mas há exceções.
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Leonídio e Marlene Gaede já rodaram o Rio Grande do Sul. Quando se mudaram para Itati, no Litoral Norte, se surpreenderam. Era a primeira cidade em que morariam que não tinha farmácia. Três anos depois da chegada do novo pastor e sua mulher, pouca coisa mudou: o posto de saúde continua sendo a única possibilidade para os 2.592 moradores do lugar terem acesso a medicamentos básicos.
Situado entre a serra e o mar, Itati é um dos três municípios gaúchos sem farmácia nem drogaria comercial – os outros dois são Mato Queimado e Boa Vista do Cadeado, ambos na região Noroeste. Foram pelo menos duas tentativas, nos últimos 16 anos, de manter uma farmácia na cidade emancipada de Terra de Areia em 2001. Mas os empresários esbarravam no "problema de falta de quórum", conta o aposentado José Lenor Eberhardt, 68 anos.
Muitos moradores dizem que não faz falta. Aos 61 anos, Leonídio, conhecido como Pastor Zeca, não faz uso de nenhuma medicação. Já Marlene, 60, toma só um remédio, para a pressão, que recebe no posto. O segredo da saúde do casal? Uma boa alimentação, alguns exercícios e uma "farmácia natural".
Ao contrário do que ocorre nos grandes centros urbanos, onde as mãos de quem está acometido por uma enxaqueca encontram com facilidade, nas prateleiras de drogarias, uma gama de opções de comprimidos para amenizar a dor, na cidade sem farmácias há outras possibilidades. No quintal, os Gaede cultivam ervas e plantas medicinais como boldo, alecrim, cidreira, babosa e espinheira-santa.
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E os conhecimentos transmitidos oralmente de uma geração para outra, na comunidade de origem alemã, agora também são difundidos pelas ondas de rádio. Massoterapeuta e técnica em enfermagem, Marlene apresenta um quadro com dicas de saúde e tratamentos naturais durante o programa do marido, em uma rádio comunitária na vizinha Três Forquilhas.
– Cuidar da saúde é mais barato e mais fácil do que tratar a doença – costuma repetir ela, que está lançando o livro AlimentAÇÃO Consciente.
Pastor na Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB) há 35 anos, Zeca diz que sempre viu com preocupação a automedicação dos fiéis. Para ele, é sinal de uma busca incessante por sentido:
– Você tem que estar bombando sempre. Não pode ficar triste, tem que estar alegre. Mas a vida é dinâmica. Você passa por momento de crise e se recupera. Temos de aprender que a dor é nossa amiga, pois avisa que algo não está legal. É uma resposta, e não uma causa. Se eu combato a dor, posso estar escondendo o problema.
A poucos quilômetros dali, a agricultora Elísia Maria de Oliveira Justin, 53 anos, também mantém em sua casa o "cantinho do chá”. Ela cresceu vendo a avó e a mãe prepararem chás e até pomadas à base de plantas. Hoje, as vizinhas a procuram em busca de mudas e para saber indicações terapêuticas de chás. Elísia toma apenas uma medicação para dormir, resquício de um tratamento para a depressão que lhe acometeu quando voltou a morar em Itati, depois de 20 anos em Gravataí. A agricultora acredita ter adoecido porque trabalhava com agrotóxicos. Após receber o diagnóstico, ela e o marido, José Odécio Justin, 58 anos, passaram a se dedicar à produção agroecológica.
– Pego o meu remédio no posto, mas a minha farmácia mesmo é a minha horta. Trabalho com tudo natural. Quando vou a Terra de Areia, até entro em farmácia, mas para comprar um vidro de esmalte, uma tinta para o meu cabelo.
Nem todos os itatienses estão satisfeitos. Quem não consegue remédio no posto – que atende, em média, a 50 pessoas por dia – acaba tendo que recorrer aos municípios vizinhos. Muitos, aliás, aproveitam as idas aos bancos de Terra de Areia ou de Três Forquilhas para passar na farmácia.
Rodeado por montanhas, Itati tem apenas uma agência do Sicredi, além de uma casa lotérica, uma loja de vestuário, uma academia, dois restaurantes, dois minimercados. Quase todos os estabelecimentos localizados às margens da principal rua do município, que possui seis distritos e não mais do que meia-dúzia de vias na área central.
Atrair um farmácia para a localidade foi uma das promessas de campanha do atual prefeito, o ex-vereador Flori Werb (PP), 51 anos. O plano, segundo ele, é um pouco mais ambicioso:
– Itati é uma Suíça gaúcha. Em um futuro bem próximo, espero que o município tenha uma pousada e uma farmácia.