Sua pele é uma colcha de ecossistemas com quase o tamanho de três toalhas de banho. Sociedades complexas de bactérias, vírus e fungos vivem nesse habitat diverso que compreende as áreas oleosas do rosto e das costas, as cavidades nasais úmidas, a palma da mão, lisa e seca.
Há décadas, pesquisadores afirmam que alguns dos habitantes microscópicos da pele são em parte culpados por determinados problemas, como acne e eczemas; agora, ao que parece, as bactérias podem também ser parte do tratamento.
Dermatologista e biólogo da Universidade da Califórnia em San Diego, o Dr. Richard Gallo e seus colegas recentemente desenvolveram um tratamento microbial inovador para o eczema, caracterizado pela pele com coceira, inflamada e vermelha. E a receita é relativamente simples.
Gallo descobriu que o Staphylococcus hominis e o Staphylococcus epidermidis, normalmente membros amigáveis do microbioma da pele humana, podem matar o Staphylococcus aureus, conhecido por sua atuação no eczema. Então, a equipe colheu as duas variações da pele de alguns voluntários com eczema, cultivaram as bactérias no laboratório e as adicionaram a uma loção hidratante.
Aplicaram esse bálsamo experimental no braço dos voluntários, aumentando drasticamente o número de suas próprias bactérias epidérmicas. Após 24 horas, a loção probiótica eliminou quase que totalmente o S. aureus. Além disso, os pesquisadores também puderam identificar alguns compostos que as bactérias benéficas usam para detê-lo.
Gallo e seus colaboradores publicaram os resultados no começo deste ano no periódico Science Translational Medicine.
"É a primeira vez que algo desse tipo é mostrado. O que ainda resta ser descoberto é se esse tipo de tratamento pode reduzir a severidade de doenças de pele por um longo tempo", disse Elizabeth Grice, pesquisadora dermatológica e microbiologista da Universidade da Pensilvânia não envolvida no estudo.
Apenas nos últimos anos os cientistas começaram a estudar como modificar terapeuticamente as colônias de micróbios nativas da pele. Compreender esse microbioma único pode render novas ideias para o tratamento de várias condições dermatológicas.
Por exemplo, alguns estudos sugerem que quem tem tendência à acne apresenta uma quantidade maior do micróbio Propionibacterium acnes na pele. Uma perturbação na população bacteriana típica leva a um conflito entre espécies vizinhas da P. acnes, diz a teoria, o que, por sua vez, desencadeia uma resposta inflamatória na pele.
Em outro estudo publicado no final do ano passado, Gallo e seus colegas injetaram uma cepa benéfica do Staphylococcus epidermidis, junto com alimentos que só ele consegue digerir, em orelhas de camundongos. O tratamento combinado, conhecido como simbiótico, encorajou o desenvolvimento do S. epidermidis, que por sua vez reduziu o número do P. acnes e o nível de inflamação na cobaia.
Outros cientistas relataram descobertas semelhantes. Em 2014, uma equipe na Coreia do Sul e nos EUA mostrou que o Helicobacter pylori, normalmente encontrado no estômago humano, também consegue inibir o P. acnes e diminuir a inflamação cutânea em camundongos.
Cientistas no Canadá demonstraram que pessoas que tomam probióticos e antibióticos apresentam menos lesões acneicas após 12 semanas, comparados com aquelas que tomam apenas um deles.
Várias empresas privadas estão na disputa para aproveitar o crescente apetite do consumidor por cosméticos e produtos probióticos. A empresa de biotecnologia AOBiome oferece um "spray probiótico vivo", por exemplo, que irá aumentar a população de bactérias benignas da pele.
Porém, muitos microbiologistas estão preocupados, acreditando que a ciência não está avançada o suficiente para justificar a proliferação desses produtos. Os cientistas ainda têm muito a aprender sobre a natureza de ecossistemas microbiais da pele saudável, como mudam durante uma doença e como é possível interferir de modo seguro.
"Probióticos tópicos podem ser transferidos para outras partes do corpo ou para outras pessoas. Só porque um micróbio mata uma espécie patógena, isso não significa que seja decididamente 'bom' ou pacífico", disse Grice.
E se a bactéria em uma loção ou spray se infiltrar no corpo através de um corte ou arranhão?
Porém, Grice concorda que a ideia é interessante. Antibióticos e antissépticos típicos matam indiscriminadamente todos os tipos de bactérias do corpo, levando à evolução de micróbios perigosos, resistentes às drogas, mas os probióticos podem ser bem mais seletivos.
E os que colonizam com sucesso o corpo têm a habilidade única de evoluir em harmonia com o ecossistema circundante, mesmo porque terapias genuínas baseadas em micróbios não são apenas coquetéis de moléculas; elas contêm organismos vivos que persistem e se adaptam. Gallo chama sua loção experimental de tratamento "aperfeiçoado evolutivamente".
"Existem muitos medicamentos potentes bem debaixo do nosso nariz", disse ele.
Por Ferris Jabr