Numa manhã qualquer, ao acordar, o Sr. T se viu convertido em uma mocinha. Ainda preso à nébula do sono, acreditou-se num pesadelo estapafúrdio. Buscou virar de lado para voltar a dormir, mas o corpo o obedeceu de forma estranha, assumindo uma posição na cama que, com sua idade e peso anteriores, o Sr. T sequer julgava ser possível. Sentou para perceber, abismado, que o novo corpo, além de se mover melhor que o antigo, era real. Ou, ao menos, assim lhe parecia. O lençol escorregara na nova pele de pelos curtos e o cheiro dessa pele também lhe parecia real. Até mesmo um sabor diferente se espalhava por seu paladar. Havia uma sensação estranha à altura da cintura e uma falta de peso entre suas pernas. O pior era a cabeça que, por ter aquele corpo, inexplicavelmente, lhe parecia tão cheia de caminhos diferentes, desejos inconfessáveis, dores insondáveis. A força que se desvanecera de seus braços, outrora grandes e pesados, agora caminhava por seus sentidos, indo e vindo, de um para outro. Quando a força finalmente chegou à sua boca, o Sr. T gritou, como nunca havia sentido ser possível antes. Contudo, ninguém veio atendê-lo. Uma bolha de silêncio parecia envolver aquele corpo e o quarto em que estava, era pavoroso ao Sr. T sentir que estava preso ali dentro. Da bolha, do quarto, do corpo de moça.
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