Os dinossauros viviam tranquilamente suas vidas há sessenta e cinco milhões de anos como se houvesse amanhã, caçando uns aos outros, comendo uns aos outros e jogando futebol, até que um meteorito, encontrado na Cratera de Chicxulub, no México, colidiu com a Terra e os extinguiu - acredita-se.
Apesar da tranquilidade com que os dinossauros viviam, antes da extinção o momento era conturbado, veja bem. Os terópodes, se vangloriando de serem os maiores predadores do planeta, não admitiam estar no mesmo ambiente que os saurópodes, ao que argumentavam: "pescoço comprido não é natural". Chegavam a montar grupos e, quando avistavam um saurópode mordiscando folhas em altas árvores, logo gritavam "pescoção! Aberração! Pescoção! Aberração!", na sequência o agredindo - não raro o matando. E comiam a sua carne para que ninguém ficasse sabendo. E saíam bradando "direitos dinossauros para dinossauros direitos!".
Havia também os anquilossauros, grupo caracterizado por armaduras corpóreas providas de grossos espinhos e uma espécie de bola de fortes ossos que era usada como arma de defesa - o faziam dessa forma por serem baixos se comparados a outros dinossauros. Tal estrutura, aliada à lentidão e à pouca inteligência, dava aos anquilossauros características de um ser extremamente imutável e impenetrável, tamanha era sua preocupação com a defesa pessoal e da moral e dos bons costumes e da família como Deus determinou: dinossauro e dinossaura.
Mas não, não eram apenas os terópodes que se consideravam superiores às demais espécies, ou os anquilossauros que, por medo ou falta de caráter, faziam tanta questão de manter tudo igual e de determinar o comportamento de todos os outros. Animal deveras hipócrita que era o dinossauro, já estava impregnada na sociedade jurássica a rejeição a tudo aquilo que não fosse narciso. Carnívoros não suportavam a presença de herbívoros que não respeitavam os onívoros por estes serem "dinossauros que ficam em cima do muro", e os onívoros trocavam de calçada com medo toda vez que se aproximava um dinossauro imigrante - ou quando outro dinossauro tuitava quatro vezes contra eles.
Pois que um dia surgiu um dinossauro diferente. Com penas e bico e canto e imenso bigode, cantava sentado ao chão versos como você não sente nem vê, mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo, que uma nova mudança em breve vai acontecer e o que há algum tempo era jovem, novo, hoje é antigo e precisamos todos rejuvenescer. E os demais dinossauros riram. Alto.
Ao que o cantante, vendo-os seguirem suas vidas dinossauras, não fez menos do que continuar a cantar, apesar da dor que era perceber que apesar de ter feito tudo, tudo o que fez, os dinossauros eram os mesmos e viviam como seus ancestrais. E enquanto cantava em meio a lágrimas e sorrisos no presente a mente, o corpo é diferente, e o passado é uma roupa que não nos serve mais, viu surgir aquela bola de fogo imensa. A bola desceu devagar e rapidamente, os dinossauros sem percebê-la. E desceu ainda mais, os dinossauros sem percebê-la.
O cantante a chorar e a rir, mais chorar do que rir, sentado ao chão, encostado a uma árvore a gritar ser difícil saber o que aconteceria dali pra frente, mas agradecia ao tempo pois o inimigo ele já conhecia e tudo poderia ter sido diferente, sim, "sempre é dia de ironia no meu coração!". E a colisão finalmente aconteceu, matando praticamente todos os dinossauros, incluindo o cantante, possibilitando o surgimento de espécies mais evoluídas - acredita-se.
*Leon Sanguiné é jornalista e escritor, autor do livro Solstício (2012).
O conto acima foi inspirado na edição especial do Planeta Ciência sobre o Brasil pré-histórico:
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