
Preservados desde o século 19 no Museu Nacional, no Rio, dois crânios de índios botocudos, encontrados em Minas Gerais, se tornaram um mistério para a ciência. A partir de uma análise genômica completa, um grupo internacional liderado por cientistas dinamarqueses e brasileiros descobriu que os dois botocudos tinham genoma inteiramente polinésio, sem nenhum traço de ancestrais das Américas.
O estudo foi publicado na última quinta-feira na revista Current Biology. Em 2013, os mesmos pesquisadores haviam encontrado trechos de DNA de populações da Polinésia no genoma dos dois indivíduos. Agora, com a análise do genoma completo, foi possível confirmar a ausência de assinaturas genéticas de povos nativos das Américas.
O estudo revelou ainda que os crânios eram mais antigos do que se pensava: os dois índios viveram antes do início do século 19. Os autores, no entanto, não sabem explicar como os polinésios chegaram ao Sudeste brasileiro.
- Com o novo estudo, o que já era surpreendente se tornou realmente intrigante. Os polinésios, em sua dispersão pelo Oceano Pacífico, navegaram para lugares distantes como a Nova Zelândia, o Havaí e a Ilha de Páscoa. Esse e outros de nossos estudos indicam que eles também chegaram à América do Sul. Mas como esses dois indivíduos vieram parar no Brasil realmente é um mistério - disse um dos autores do estudo, Eske Willerslev, da Universidade de Copenhague, na Dinamarca.
Segundo o autor principal, José Víctor Mayar, do Museu de História Natural da Dinamarca, o primeiro estudo tinha foco no DNA mitocondrial, muito usado em estudos de arqueologia molecular por apresentar centenas de cópias em uma única célula. Mas o novo estudo analisou o DNA nuclear, extraído dos dentes dos botocudos.
- O resultado é muito mais confiável, pois, enquanto o DNA mitocondrial tem apenas 16 mil pares de bases, o DNA nuclear tem cerca de 3 bilhões. Agora sabemos que esses botocudos eram quase 100% polinésios - conta Mayar.
Os cientistas levantaram algumas hipóteses para explicar a presença dos descendentes dos polinésios no Brasil: eles teriam sido trazidos como escravos da Polinésia para o Peru ou de Madagáscar diretamente para o Brasil; poderiam ainda ter vindo em navios europeus como tripulantes ou clandestinos.
- Mas com os dados sobre a idade dos indivíduos, nenhuma das hipóteses parece fazer sentido. Achamos mais plausível que os polinésios tenham navegado sozinhos até a costa oeste da América do Sul. Mas a "questão de um milhão de dólares" continua sendo como eles atravessaram os Andes e foram quase até o Atlântico - disse Willerslev.
Para Sérgio Pena, geneticista da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), um dos líderes dos dois estudos, nenhum cenário pode ser descartado, mas todos são improváveis.
- Pessoalmente, não creio que nenhum dos cenários seja convincente. Acho que vamos ficar com este achado empírico surpreendente muito bem trabalhado e esperar que, no futuro, o mistério se desfaça.
