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Quem consegue ver um rabo de baleia riscar o horizonte, rente ao mar, mantém a imagem eternizada. Quem não tem essa sorte, e cruza com o mamífero gigante morto na praia, pode não imaginar o roteiro percorrido pelo animal até chegar ali. Nos últimos anos, cachalotes,jubartes, francas, espadartes, brydes, minkes e diversas espécies de golfinhos anunciaram-se aos olhos dos banhistas do Rio Grande do Sul.
O cadáver que jaz na orla é, muitas vezes, uma vítima das atividades humanas nos oceanos - acaba jogado na costa depois de acidentes com redes ou embarcações, intoxicado pela poluição marinha ou desorientado pelos altos níveis de ruídos, a poluição sonora. Thiago Nóbrega Lisbôa, coordenador do Projeto Baleias do Rio Grande do Sul, explica:
- As baleias e os golfinhos são extremamente auditivos. Essas criaturas se orientam, se comunicam e até mesmo encontram sua comida através de sons. O tráfego de embarcações, assim como a exploração petrolífera marinha, gera ruídos muito potentes que muitas vezes estouram os tímpanos desses animais. Esses sons confundem os cetáceos (baleias e golfinhos) e os afetam até o ponto de poder provocar a sua morte.
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Arte: Leonardo Azevedo
Nem todos os casos viram estatísticas, mas o litoral gaúcho apresenta um dos maiores índices de encalhes de cetáceos do Brasil. Mesmo protegidas da caça desde 1986 pela Comissão Baleeira Internacional, as baleias e golfinhos seguem em risco. A coincidência da rota de navios com as rotas migratórias é um dos principais motivos para os encalhes no Estado.
- A colisão, quando acontece, não é reportada, e muitas vezes a carcaça sequer chega à beira da praia - acrescenta Thiago Lisbôa.
Quando vão parar na areia, os animais encalhados se tornam fonte de dados importantes para pesquisadores como a bióloga Aurélea Mader, da Ardea Consultoria Ambiental, e Sandro Bonatto, da faculdade de Biociências da PUCRS. A análise, segundo ela, permite investigar se a morte foi causada por acidente, contaminação ou aproximação das redes para disputa dos peixes com os pescadores, por exemplo. Bonatto realiza catálogos genéticos para conhecer graus de parentesco entre visitantes.
- Uma vez, uma jubarte ficou encalhada e o pessoal conseguiu colocá-la de volta no mar. O registro do perfil genético permitiu saber, oito anos mais tarde, que o mesmo animal sobreviveu e retornou às águas brasileiras - explica o pesquisador.
Mineração do mar
Aurélea identifica outra razão para os cetáceos gostarem tantos das águas gaúchas: a abundância de alimento devido à junção das correntes do Brasil (proveniente do Norte) e das Malvinas (das águas geladas do Sul). Essas correntes, segundo ela, também criam um canal que empurra as carcaças para a costa.
- Aqui tem mais carcaças porque há mais abundância de biodiversidade e, por isso, mais pesca - diz.
O ciclo letal derivado do aumento do esforço de pesca em virtude da diminuição dos estoques pesqueiros tem feito muitas vítimas acidentais. A principal delas é a toninha, um pequeno e tímido golfinho que só ocorre do Brasil à Argentina. Por causa do bico longo e cheio de pequenos dentes, ela tem sérios problemas com as enormes redes de pesca e fica facilmente presa. Estima-se que na costa gaúcha morram mil por ano.
Segundo a bióloga marinha Greta Gastaldo de Castilhos, que acaba de realizar um estudo sobre o impacto da pesca nestes animais, se medidas urgentes não forem tomadas, as toninhas desaparecerão da natureza em um futuro muito próximo.
Para amenizar esse cenário, o Ministério da Pesca limitou em 16 quilômetros a extensão máxima das redes de pesca no Estado. Nem sempre, porém, as exigências são respeitadas pelos pescadores.
- Captura de rede de arrasto mata muita tartaruga, baleia e leão marinho. Sabemos que há barcos de arrasto fazendo pesca em áreas proibidas e até em áreas de preservação, e ninguém denuncia - diz Aurélea.
Fundador do Projeto Baleia Franca, José Truda Palazzo diz que por ser difícil a fiscalização pela Marinha, a costa brasileira acaba virando território de ninguém. E as espécies marinhas são subtraídas dos oceanos sem controle.
- Temos no Brasil a chamada mineração da pesca. Cada um extrai o que quer, tirando o que temos de melhor, até um dia acabar.
Conhecer para preservar
O aspecto selvagem e incomum é o que mais atrai banhistas e turistas. As recentes polêmicas envolvendo a observação de baleias e golfinhos em parques aquáticos ou aquários trazida pelos documentários A enseada e Blackfish, fazem crescer o interesse na observação desses animais em seu hábitat natural.
Os filmes mostram a brutal captura dos cetáceos e as reais condições a que são submetidos. Em 2008, o Brasil declarou suas águas santuário de baleias e golfinhos. Porém, ainda há muito a avançar para garantir a conservação destes animais - e isso passa primeiro por conhecê-los. Segundo Lisbôa, o litoral gaúcho é privilegiado para este tipo de observação.
- Podemos ver golfinhos a poucos metros de distância nas barras de Imbé e Torres. Além disso, existe uma interação de pesca cooperativa com os pescadores de tarrafas praticamente única no mundo. No verão, se afastam da costa em virtude da massiva e desrespeitosa presença dos homens, mas fora de temporada, principalmente em Imbé, o espetáculo é diário - afirma.
A grande novidade, e que poderia impulsionar a observação no Estado, é a presença das baleias francas durante toda a sua temporada reprodutiva. Segundo Lisbôa, apesar de gigantes (chegam a 18 metros), elas são dóceis e permanecem muito próximas à orla, logo atrás da linha de arrebentação, o que facilita a observação em terra. O pesquisador coordena um projeto que há três anos se dedica a mensurar a sua ocorrência no Estado, e o resultado é surpreendente:
- Nestes três anos, temos aproximadamente 400 registros de ocorrência desses animais no Litoral Norte. Além de se acasalar, elas vêm à nossa costa para dar à luz e todo o cuidado de que necessitam os bebês baleias. Podemos dizer que temos muitas baleias gaúchas.