Segurança

Violência urbana

Como enfrentar o medo após ser vítima de assalto

Ataques de assaltantes em casa, no carro, nas ruas e em praças se tornaram rotina. Seguir em frente depois de ser vítima é uma luta diária 

Marcelo Kervalt

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Ter medo de sair de casa, mudar de carro ou receio de retornar para o lar após um dia de trabalho viraram sintomas a serem superadas por um trauma. A violência que não cessa e atinge boa parte da população – só nos primeiros seis meses de 2016 foram mais de 50 mil assaltos no Estado – deixa cicatrizes nas vítimas.

Karollini Leite Toledo, empresária de 29 anos, é uma delas.

Ela precisou implorar para que criminosos não tomassem seu filho de oito meses em um assalto em Porto Alegre. Em pé, de costas para a rua e com metade do corpo dentro do carro, a mãe ajeitava a cadeirinha da criança quando sentiu o cano do revólver encostado em suas costelas. Imediatamente, começou a esbravejar com os bandidos que queriam levar o veículo estacionado em frente à casa da família. Ao volante, o marido, rendido, não pôde esboçar qualquer reação. Karollini, enquanto tentava convencer os assaltantes a deixarem retirar o bebê, mexia rapidamente nas amarras da cadeirinha até que conseguiu desprender o cinto e pegar a bebê no colo.

– Larguei o Davi no chão, pois se me dessem um tiro, ele não seria atingido – conta, ao relembrar o crime que mudou a sua vida três anos atrás.

Karollini Leite Toledo, empresária de 29 anos

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Traumatizada, ela passou incontáveis noites em claro. Na memória, o medo de que os bandidos voltassem por vingança, já que a prisão aconteceu minutos depois. Os dias passaram, mas o assalto se mantinha presente na memória. Naquele carro, a empresária nunca mais entrou. O Celta acabou vendido, uma equipe de segurança privada foi contratada e mudanças de hábito foram adotadas rapidamente. O trauma demorou para ser superado.

– Fiquei em pânico. Não dormia, só pensava que iriam entrar na minha casa. Agora, não deixo mais o carro na rua. Faço o que tenho de fazer no pátio e só saio quando tudo está arrumado – explica.

Antes de chegar em casa, Karollini circunda a quadra para ter certeza que não há criminosos à espreita.

Diferentes formas de lidar com o temor após ter sido alvo

Essa violência tem obrigado pessoas a mudarem seus hábitos diários, seja para evitar novas abordagens de ladrões, seja para superar os traumas ou conviver com eles, como fez Karollini. Prever quais sinais serão refletidos na vida após um assalto é tarefa ingrata, dizem especialistas consultados por ZH, pois as pessoas lidam com o estresse de diferentes maneiras.

– Dependendo da estrutura psíquica, o assalto pode gerar comportamentos mais graves. A vítima pode ficar retraída em casa, adquirir fobia, como não conseguir frequentar locais públicos, pegar ônibus e assim por diante. Isso tudo vai depender da associação que ela irá fazer do momento com o fato – analisa a psicóloga Ana Beatriz Guerra Mello.

A vida pregressa tem influência direta no comportamento de pessoas vítimas de violência, explica o psiquiatra Nelio Tombini.

– Os traumas repercutem na nossa vida emocional de várias maneiras. E como a vítima será afetada depende muito das condições prévias de personalidade. Nos casos mais graves, pode levar à depressão – complementa Tombini.

O psiquiatra alerta que, ao incorporar essa situação de sofrimento por muito tempo, as pessoas podem adquirir ansiedade permanente. As consequências são insônia, como aconteceu com Karollini, e irritação, entre outros males.

– A pessoa pode ficar dentro desse estresse

pós-traumático, imaginando que qualquer um irá lhe assaltar e que a situação se repetirá – afirma Tombini.

Para o especialista, o trauma é considerado dentro da normalidade nos seis primeiros meses. Depois, passa a ser tratado como doença não resolvida:

– É o que chamamos de luto patológico, um transtorno de estresse pós-traumático que fica reverberando e que precisa de atenção.

Jovem alterou modo de se vestir para “enganar“ ladrões

Calçando tênis surrados e vestindo roupas batidas, um auxiliar administrativo de 30 anos carrega a sua velha mochila rasgada, já maltratada pelo tempo pelas ruas de Porto Alegre. Como se andasse fantasiado, o traje nada narcisista é tentativa de passar despercebido pelos criminosos, que, em incontáveis assaltos, já levaram, além da sua vaidade, os mais diversos objetos pessoais.

Se a estratégia surte algum efeito, o rapaz não sabe, afinal, recentemente, foi assaltado duas vezes em quatro dias. Em uma delas, no dia 8 deste mês, abordado dentro de um ônibus na Capital, teve tempo de retirar o celular do bolso e colocá-lo entre o banco do coletivo e seu corpo, enganando os bandidos que faziam arrastão. Na última abordagem, na segunda-feira, na Avenida Mauá, também na maior cidade gaúcha, usou outra estratégias antiassalto: entregou o telefone velho que sempre carregava.

– Se te levam alguma coisa e não te machucam, é só mais um assalto – diz, sentindo-se impotente.

As mudanças de atitude do morador de Porto Alegre, que prefere ter a identidade preservada, vão além da forma de se vestir, pequenas medidas que posam ser tomadas após ser vítima da criminalidade dentro de coletivos:

– Não sento perto do cobrador e nem no fundo do ônibus. Evito também ficar no banco do corredor, porque parece ser mais exposto, e não carrego muito dinheiro.

Auxiliar administrativo desistiu de comprar telefone

O também auxiliar administrativo Ruan Santos Borges perdeu o apego por celulares depois dos cinco assaltos que sofreu nos seus 27 anos de vida. Ainda pagando as prestações do último aparelho roubado, passou a usar um celular velho que sua mãe tinha em casa. E promete não comprar outro.

– Não vale a pena. Para ser roubado de novo? – questiona.

A violência exigiu atitudes, mas a autoproteção tem um limite, que se torna prejudicial quando ultrapassado, como explica a psicóloga Ana Beatriz Guerra Mello ao citar os perigos do conformismo em relação à violência, hoje banalizada.

– Algumas pessoas deixam de registrar ocorrência policial por estarem acostumadas com assaltos. Assim, se tornam coniventes com a incorporação da violência à sociedade – alerta Ana.

Outra situação citada pela especialista, como abrir mão da vaidade para minimizar o risco de ser assaltado, não é considerada problema, desde que haja equilíbrio.

– Se ele tem a oportunidade de não se expor, não exibir joias e objetos caros, melhor. No entanto, se passar a prejudicar a vida, como deixar de se vestir adequadamente para entrevista de emprego, por exemplo, deixa de ser saudável.

Acolhimento e amparo de familiares são fundamentais

Algumas medidas podem ajudar a vítima de um assalto a superar o trauma da violência. E é neste momento que a presença da família e dos amigos se torna fundamental, acolhendo a pessoa e seu sofrimento.

– Ela precisa sentir-se segura para enfrentar o medo – diz a psicóloga Ana Beatriz Guerra Mello.

Em hipótese alguma, complementa o psiquiatra Nelio Tombini, o sofrimento da vítima pode ser desqualificado.

– Acolher a pessoa do jeito que ela está, sem dizer que é bobagem o que está sentindo, é imprescindível.

Evitar temporariamente o local do assalto, como alternativa para não intensificar o trauma, pode ajudar, desde que isso não se torne bloqueio permanente. Se o receio persistir, a angústia deve ser repartida para

tornar-se menos danosa. Nesse caso, aconselha-se refazer o caminho na companhia de familiares.

– A gente não pode viver limitado, evitando determinado caminho eternamente, por exemplo – salienta Ana Beatriz, dizendo que alguns traumas jamais são superados e cabe à vítima procurar terapia para aprender a conviver com a nova realidade:

– Falar sobre permitirá que a vítima consiga conviver com isso.

Na rede pública no Estado, há serviços especializados em saúde mental, oferecidos nos centros de atenção psicossocial (Caps), ligados ao Sistema Único de Saúde (SUS). O programa é gratuito e pode ser utilizado por toda a população.


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