
Entre o distrito industrial de Guaíba e o polo residencial de alto padrão de Eldorado do Sul, a menos de um quilômetro de distância de duas escolas, está localizado o terreno de 150 hectares cedido pelo governo estadual à União para a construção da Penitenciária Federal do Rio Grande do Sul, em Eldorado. Publicada no Diário Oficial da União, a criação de um grupo de trabalho para regularizar a doação do imóvel causou furor na cidade de 38 mil habitantes e dividiu os cidadãos entre apoiadores e opositores ao empreendimento.
Quem defende a construção, ampara-se na geração de emprego – estimada em 400 vagas diretas e indiretas – e no aumento do policiamento no entorno, principalmente pela promessa do subcomandante-geral da Brigada Militar, coronel Mario Ikeda, durante reunião realizada com a comunidade na segunda-feira e reafirmada nesta terça-feira à reportagem.
– A contrapartida do Estado em relação à Brigada Militar é a reativação do posto policial no Parque Eldorado e a instalação de outro no bairro Sans Souci – garantiu o coronel.
Leia mais
Eldorado do Sul, na Região Metropolitana, receberá penitenciária federal do RS
Policial federal reage a assalto e é baleado em Porto Alegre
Quem critica a obra, embasa-se na possível desvalorização dos imóveis próximos, no risco de rebeliões e no medo do aumento da criminalidade devido à transferência, ao município, de presos de alta periculosidade.
– A gente sabe que com os bandidos vêm os familiares e os seus escritórios – argumenta Léa Denise Garcia Corrêa, presidente da comissão formada por moradores para impedir a concretização do acordo.
A proposta prevê o acesso à prisão nas proximidades do km 291 da BR-116, junto ao Assentamento Nonoaiense, pequena comunidade de cerca de 30 famílias às margens da rodovia. O terreno se estende por dois quilômetros até a Estrada do Conde. No outro lado da via de pista simples, portanto nos fundos do terreno da penitenciária, está localizado o Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor, laboratório de referência da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Irrigação do RS.
– Essa obra não vai afetar em nada o funcionamento do instituto – garante o diretor da unidade, Rogério Rodrigues.
Entre os vizinhos mais próximos da futura prisão, na comunidade do Assentamento Nonoaiense, não há consenso entre benefícios e malefícios do empreendimento:
– Vai ser muito bom porque, ultimamente, aqui anda bem perigoso. Estão matando em outros lugares e desovando corpos aqui por perto. Então, como essa cadeia vai ter câmeras e guardas, vai ter segurança a mais para nós – avalia Delfino Fiorentin, 74 anos.
Comerciantes divergem sobre construção
No outro lado da rua de chão batido, quase em frente à residência do aposentado, mora o motorista Cristiano Ramos Oliveira, 28 anos. Por ele, Eldorado não receberia a penitenciária federal. Seu receio é com possíveis invasões aos imóveis.
– A polícia não dá conta dos bandidos, imagina quando vierem de outros Estados. E nós, aqui, estamos em um lugar isolado de tudo. Vamos ficar reféns dessas facções – destacou.
Os comerciantes também estão em descompasso. Luis Fernando Armento, 44, tem um mercado na Estrada do Conde há nove anos e vê na penitenciária federal uma oportunidade de aumentar a receita do estabelecimento, pelo menos durante a construção.
– Até ficar pronta, vai ter muita movimentação de caminhão e de funcionários. Claro que preferia uma indústria, mas quem não tem cão, caça com gato. Além disso, crime tem em todo o lugar. Ontem (segunda-feira), dois carros foram roubados no início da noite. E não temos um presídio aqui. Se fosse semiaberto, até concordo que seria perigoso. Mas esse, de alta segurança, só tem a agregar – argumenta.
A poucos metros do mercado está a fruteira de Geneci Lanferdini Cardozo, 59. Ela discorda do vizinho:
– Não vai trazer benefício nenhum para a cidade, mas, em razão da superlotação das cadeias, é preciso construir novas unidades.
Secretário da Segurança Pública do Estado, Cezar Schirmer, afirma, mesmo com a publicação no Diário Oficial da União de cedência da área ao governo Temer, que o local não está definido.
– Apresentamos cinco áreas e o Depen (Departamento Penitenciário Nacional) escolheu essa. Agora, vamos ter de conversar com o prefeito (Ernani Gonçalves) e ver quais são as dificuldades que ele viu – explicou o secretário.
Até R$ 8 milhões injetados, diz prefeito
Diante da mobilização de um grupo contrário à penitenciária federal e que levou mais de cem pessoas para audiência com o Comando-Geral da Brigada Militar, Superintendência dos Serviços Penitenciários, Polícia Civil e prefeitura, na segunda-feira, o prefeito de Eldorado do Sul, Ernani Gonçalves (PDT), prometeu discutir com o governo novas áreas para a construção.
– Não tenho nada contra a obra, mas também não vou dar às costas para a minha comunidade. Me proponho a ajudar o Estado e a União a encontrarem uma nova área, talvez ao longo da BR-290, em direção a Arroio dos Ratos – comenta.
Gonçalves estima que a obra seja executada em cerca de um ano e que sejam injetados de R$ 7 milhões a R$ 8 milhões nos setores de comércio e prestação de serviços. Porém, dependendo da complexidade da área escolhida, o projeto pode levar de cinco meses a três anos para ser aprovado.
Para o secretário de Planejamento de Eldorado do Sul, Fábio Araújo Leal, uma das consequências negativas é o possível comprometimento futuro de investimentos, como de um residencial de alto padrão orçado em R$ 1 bilhão e em estudo há mais de cinco anos. Além disso, próximo ao terreno da penitenciária, há o bairro mais tradicional do município.
– O bairro Sans Souci era o balneário dos moradores de Porto Alegre na década de 1930. As pessoas passavam as férias aqui. Por tudo isso, essa foi uma escolha infeliz – afirma o secretário.