
Sem demonstrar ter jogado a toalha, Dilma Rousseff e seus aliados apostam as fichas para derrotar o impeachment no discurso a ser proferido pela presidente afastada na segunda-feira, 29 de agosto, em meio ao julgamento do processo pelo Senado. A semana que antecede a fala será marcada por reuniões que definirão o teor das palavras de Dilma, que tem se mostrado mais bem-humorada, segundo interlocutores.
As opiniões das pessoas mais próximas à presidente estão divididas. Algumas defendem que ela faça uma manifestação em defesa da soberania popular e da Constituição, enquanto outras preferem que, além disso, Dilma direcione críticas mais contundentes ao presidente interino Michel Temer, à equipe ministerial e aos senadores que mudaram de lado.
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A presidente afastada deu início, nos últimos dias, a um esboço do discurso, recebendo sugestões de aliados como os ex-ministros José Eduardo Cardozo (responsável pelo teor jurídico da fala e por preparar Dilma para os questionamentos dos senadores), Miguel Rossetto, Jaques Wagner e Aloizio Mercadante. As anotações são feitas no computador de Dilma.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também deve colaborar. O petista ressaltou, em entrevista à BBC, "a coragem" de Dilma em enfrentar a tribuna do Senado e as perguntas dos parlamentares. Lula disse ainda que Temer, por ser um constitucionalista, "sabe" que há um "golpe" em curso.
A fala de Dilma deve ser centrada em pontos que já vêm sendo destacados por ela, como a defesa de que não cometeu crime de responsabilidade e que não pode ser julgada pelo "conjunto da obra" do seu governo – expressos na carta apresentada na terça-feira passada. Segundo Rossetto, ela continuará recebendo senadores para tentar reverter o quadro, que hoje indica a aprovação do impeachment:
– Trabalhamos com um cenário de reversão. O discurso será forte, histórico. Ficará ainda mais claro que a presidente não cometeu nenhum crime e está sendo substituída por um presidente interino e por ministros envolvidos em suspeitas de corrupção. Temer e sua equipe entram para a história como traidores.
Além de preparar o discurso, a presidente dará sequência à série de atos em defesa do seu mandato. Na quarta-feira, está prevista uma mobilização em São Paulo. No dia 29, a Frente Brasil Popular promoverá atos de rua em várias capitais.
Há expectativa de que uma manifestação mais forte da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), que já enviou questionamentos ao Senado a respeito do impeachment, possa constranger os senadores.
Na hipótese da aprovação do impeachment, o destino de Dilma é incerto. Pessoas próximas à presidente afirmam que há um leque de opções, entre elas afastamento temporário do país, mudança para um novo endereço em Porto Alegre e a criação de um instituto com o intuito de defender o legado do seu governo e a democracia.
Cassação não retiraria benefícios
Por lei, ex-presidentes da República têm direito a staff composto por oito assessores para apoio pessoal, seguranças (armados ou não), motoristas e dois carros oficiais. Atualmente, a prerrogativa contempla os ex-presidentes José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. Ao sofrer o impeachment, em 1992, Fernando Collor perdeu as prerrogativas de ex-presidente, recuperadas judicialmente depois de ter sido absolvido pelo STF na instância penal. A legislação não prevê pensão para ex-presidentes.
Caso seja cassada, Dilma terá direito a equipe de assessores e veículos oficiais. Especialista em Direito Eleitoral, Antonio Augusto Mayer dos Santos explica que a legislação prevê a prerrogativa para quem terminar o mandato. Como Dilma concluiu a primeira gestão, ela seria beneficiada pela lei. Professor da Universidade de Brasília (UnB), o constitucionalista Argemiro Cardoso Moreira Martins concorda com a análise.
Assim que for comunicada da decisão do Senado, Dilma terá de deixar as instalações do Palácio da Alvorada, caso o impeachment seja aprovado. O afastamento definitivo representa a perda de todas as prerrogativas presidenciais, entre elas a de ocupar uma moradia oficial.