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A despeito da controvérsia jurídica provocada pelo fatiamento da votação do impeachment de Dilma Rousseff, seu maior inimigo, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha (PMDB-RJ), avalia usar a mesma estratégia para atenuar a perda do próprio mandato.
Desde esta quinta-feira, Cunha discute com advogados e aliados o melhor caminho para enfrentar o plenário da Casa, que aprecia seu pedido de cassação no próximo dia 12. Ele estuda apresentar uma emenda ou destaque à resolução do Conselho de Ética que o acusa de quebra de decoro parlamentar.
A manobra poderia pedir a redução da pena – em vez da perda do mandato, uma advertência – ou a cassação, mas com manutenção da elegibilidade.
– Penso que a decisão do Senado foi inconstitucional, mas parece que vai prevalecer. E é óbvio que Eduardo Cunha vai traçar sua defesa baseado também nessa possibilidade – afirma o deputado Carlos Marun (PMDB-MS).
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Nos corredores do Congresso, a mudança em um entendimento até então considerado pacífico já ouriça parlamentares sob suspeita, em especial os citados na Lava-Jato. Essa esperança cresceu após o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), abrir brecha em casos semelhantes.
– Se formos usar a mesma decisão do presidente (do STF, Ricardo) Lewandowski, muda o processo de cassação de qualquer um, do Eduardo ou de qualquer um que venha depois – admitiu.
Toda essa celeuma se deu por uma iniciativa concebida por senadores do PT e do PMDB dias antes da votação do impeachment. Ao cassar o mandato de Dilma, mas preservar sua habilitação para funções públicas, o Senado desenhou um novo horizonte para o destino político de Cunha. Pouco antes do início da votação, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), aliado de Dilma, pediu que o julgamento fosse feito em duas etapas: na primeira, os parlamentares decidiriam se a presidente teria cometido crime de responsabilidade, cuja sanção imediata seria a perda do mandato.
Na segunda etapa, o quesito versaria sobre uma eventual inabilitação para funções públicas, o que impediria que a petista disputasse eleições ou ocupasse cargos comissionados, por exemplo, durante oito anos. Com um arrazoado jurídico em mãos e alegando que o regimento interno da Casa permitia o fatiamento da votação, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e regente da sessão, Ricardo Lewandowski, anuiu. Os senadores então cassaram Dilma, mas mantiveram sua habilitação pública.
– Criamos uma jabuticaba, algo que só existe no Brasil – criticou a senadora Ana Amélia Lemos (PP-RS).
A sessão mal havia se encerrado quando adversários de Dilma, como DEM e PSDB, já falavam em recorrer da decisão de Lewandowski. Conversas informais com ministros do Supremo, contudo, demonstraram que caso um eventual recurso ganhasse guarida, havia o risco de todo o julgamento do impeachment ser anulado, devolvendo Michel Temer ao posto de presidente interino.
Diante dessa possibilidade, DEM e PSDB sinalizaram com recuo, mas o PV protocolou nesta quinta-feira um mandado de segurança, pedindo a anulação dos efeitos da segunda votação. No final do dia, o PSDB voltou atrás e anunciou que irá questionar judicialmente a decisão de Lewandowski (leia ao lado).
Para Gilmar Mendes, ministro do STF e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a separação dos quesitos é algo "bizarro". A título de comparação, Gilmar apontou que, como o Senado fez uma votação autônoma das penas, em tese poderia ter ocorrido o contrário: a presidente poderia ter sido inabilitada para a função pública, mas permanecido no cargo.
– Vejam vocês como isso é ilógico. Não passa na prova dos nove do jardim de infância do direito constitucional– comentou o ministro, salientando que, de qualquer forma, o STF não deve anular o julgamento. – Não acredito que isso venha a ocorrer. O tribunal tem sido muito cauteloso – completou.
Na visão do advogado Luiz Carlos Lopes Madeira, ex-ministro do TSE, só há uma maneira de o Supremo evitar qualquer tentativa de invalidar a sessão do impeachment: desconhecer todos os tipos de recurso apresentados à Corte:
– Mesmo que se tenha decidido errado (ao fatiar o julgamento), não cabe recurso, pois é do Senado a competência constitucional para decidir sobre esse assunto. O Supremo não tem essa competência.