
Ao abrir, nesta quinta-feira, o debate temático no plenário do Senado sobre o projeto de lei que modifica o texto da Lei de Abuso de Autoridade, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), disse que a proposta, de sua autoria, não busca "embaçar a Lava-Jato" ou intimidar juízes e procuradores. Renan afirmou considerar a operação "sagrada" e que deve ser estimulada.
– Ela (Lava-Jato) definiu alguns avanços civilizatórios e precisa ser estimulada para que com ela e com outras que possam ser conduzidas na mesma direção, ela possa colaborar com a diminuição da impunidade no Brasil, que é uma grande chaga. Apenas serão punidas as autoridades que livre e conscientemente fizerem mau uso dos seus poderes – disse.
O presidente do Senado é alvo de 12 investigações no Supremo, entre eles oito inquéritos na Lava-Jato, um dentro da Operação Zelotes e outro por desvios nas obras da usina de Belo Monte.
Sentado ao lado de Renan está o juiz federal Sergio Moro, responsável pela Operação Lava-Jato. Durante o debate, Moro afirmou estar preocupado com o fato de que o projeto de lei de abuso de autoridade, em discussão no Senado, possa servir de instrumento que intimide magistrados, integrantes do Ministério Público e policiais. Segundo Moro, sugestão dele é evitar que essa legislação vire um "elemento de intimidação".
– A ideia é apresentar uma sugestão que evite essa possibilidade ou pelo menos minore essa possibilidade – disse Moro, que antes de participar da audiência no Senado deu uma rápida entrevista coletiva na sede da Associação dos Juízes Federais (Ajufe) em Brasília.
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O juiz afirmou que vai sugerir a inclusão de ao menos um artigo do projeto de lei de abuso de autoridade com os seguintes termos: "Não configura crime previsto nesta lei a divergência na interpretação da lei penal ou processual pena ou na avaliação de fatos e provas."
– A ideia é evitar que, a pretexto de se coibir o abuso de autoridade, essas autoridades encarregadas da aplicação da lei, juízes, promotores e policiais, sejam perseguidos apenas por cumprir o seu dever e contrariar interesses poderosos – afirmou.
Questionado se considera que os senadores vão acatar suas sugestões, Moro disse acreditar que eles estão abertos ao que vai apresentar.
– (Senadores) vão ter a sensibilidade de levar em consideração porque é realmente necessário para se evitar esse mal estar criado entre os Poderes – destacou.
Lindbergh critica atuação de Moro
Durante debate, o senador Lindbergh Farias (PT-RJ) criticou a atuação do juiz Sérgio Moro em determinação de condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e também na autorização e divulgação de grampos de conversas do petista com a ex-presidente Dilma Rousseff. O magistrado reagiu e disse perceber na fala do senador a tentativa de criminalização da operação Lava-Jato.
– Há intenção clara de que o projeto de lei do abuso seja utilizado especificamente para criminalizar condutas de autoridades envolvidas na Lava-Jato. Para mim ficou evidente com o discurso do senador ao afirmar categoricamente que eu teria cometido abuso de autoridade ao conduzir essa operação – afirmou Moro.
Moro também alegou que não pede que juízes e procuradores estejam fora do escopo da lei de abuso de autoridade, mas reitera que é necessário que a interpretação dos juízes não seja criminalizada.
O ministro Gilmar Mendes, que até então havia se posicionado ao lado dos parlamentares, em favor da lei de abuso de autoridade, fez um afago ao juiz Sérgio Moro e saiu em defesa do magistrado.
– Pode ter ocorrido um erro aqui e acolá, mas é um trabalho peculiar por todos os tipos – disse Mendes, que defendeu a atualização da lei, mas afirmou que o projeto precisa ser aprimorado e que o objetivo não é criminalizar a atividade de juízes e promotores.
Mas a relação entre Mendes e Moro durante a audiência não foi apenas uma troca de simpatias. O ministro do STF rebateu a declaração do juiz federal de que esse não é o momento adequado para fazer modificações na Lei de Abuso de Autoridade.
– Não compartilho da ideia de que este não é o momento para aprovar a lei. Qual seria o momento? Qual seria o momento adequado para discutir esse tema de um projeto que já tramita no Congresso há mais de sete anos? Como se fazer esse tipo de escolha do momento? – questionou. – A Lava-Jato não precisa de licença especial para fazer suas investigações. Os instrumentos que aí estão são mais do que suficientes, como qualquer outra operação – completou.
Um dia depois da manobra de Renan
O debate ocorreu um dia depois de o Senado tentar votar a toque de caixa o pacote anticorrupção aprovado pela Câmara e que desagradou a força-tarefa da Lava-Jato.
– O consenso supera o confronto, a concórdia prevalece sobre o dissenso. As soluções negociadas para as divergências são sempre possíveis, por mais distantes que possam parecer – discursou Renan. – Nas mais variadas vertentes da vida, existe espaço para a convergência de opiniões.
Também participaram do debate o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o juiz federal Silvio Luis Ferreira da Rocha, da Justiça Federal de São Paulo, e o senador Roberto Requião (PMDB), relator do projeto sobre abuso de autoridade.
– O diálogo é sempre preferível à hostilidade – disse Renan, que ainda citou Tancredo Neves para dizer: – Não são os homens que brigam, são as ideias – afirmou o senador.