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O número, 82 perguntas, nem é estranho para um interrogatório tão abrangente como o que a Polícia Federal fará com o presidente Michel Temer. Afinal, há pouco mais de um ano, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva respondeu a mais de 800 perguntas em três horas, ao ser conduzido coercitivamente pela PF.
Curiosas são algumas das questões, verdadeiras armadilhas, nas quais o interrogador parece questionar o presidente sobre perguntas para as quais ele, policial, já tem resposta. A mais intrigante é a de número 47:
"Vossa Excelência tem alguém chamado "Edgar" no universo de pessoas com quem se relaciona com certa proximidade? Se sim, identificar tal pessoa, mencionando a atividade profissional, eventual envolvimento na atividade partidária, descrevendo, ainda, a relação que com ela mantém", pergunta a PF a Temer.
A pergunta não enseja qualquer pista sobre quem seria o misterioso Edgar, mas a PF já sabe e deixa para o presidente a resposta. Um legítimo "pega-ratão". Edgar é uma pessoa conhecida de Rocha Loures e que estaria apta a pegar os R$ 500 mil semanais de propina.
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O questionário foi enviado ao presidente segunda-feira e seu advogado, o criminalista Antônio Claudio Mariz de Oliveira, já adiantou que nem todas as indagações serão respondidas por Temer. Um dos trechos que o presidente não pretende responder é sobre o conteúdo do áudio da conversa dele com o empresário Joesley Batista, da JBS, na noite de 7 de março no Palácio do Jaburu. Isso porque, segundo Temer, o material foi editado e, por isso, a gravação não teria validade.
O encontro com Joesley, aliás, é a parte principal do questionário. A ligação do empresário com Temer ou com seus assessores (como o ex-deputado Rodrigo Rocha Loures, preso após guardar uma mala com R$ 500 mil que seriam oriundas de propina a ele e ao presidente) abrange 47 das 82 perguntas.
O interrogatório, por sinal, só acontece porque Joesley Batista disse que pagaria suborno de R$ 500 mil semanais a Temer pela ajuda presidencial num caso envolvendo uma usina de gás. Foi o suficiente para o Supremo Tribunal Federal (STF) abrir inquérito contra Temer por suspeita de organização criminosa, corrupção passiva e obstrução de Justiça – e autorizar o interrogatório do presidente pela policia, algo raro, quiçá inédito na história brasileira.
Dos dois blocos de perguntas, o primeiro é todo dedicado à relação de Temer com Rocha Loures e Joesley. Muitas questões são triviais, como a pergunta sobre por que o presidente doou R$ 200 mil para a campanha de Loures a deputado (os dois são correligionários e conhecidos há anos). À medida em que as perguntas avançam, vão se tornando mais aguçadas. Por exemplo, numa referência ao encontro tarde da noite com Joesley Batista:
12. Vossa Excelência tem por hábito receber empresários em horários noturnos sem prévio registro em agenda oficial? Se sim, cite ao menos três empresários com quem manteve encontros em circunstâncias análogas ao de Joesley Batista, após ter assumido a Presidência da República.
São feitas várias perguntas sobre a relação do presidente com Joesley e sobre as ligações de ambos com Eduardo Cunha. Três delas falam diretamente de suposta propina a Temer:
36. Rodrigo da Rocha Loures chegou a levar ao conhecimento de Vossa Excelência a disponibilidade do grupo J&F Investimentos S/A em fazer pagamentos semanais que girariam entre R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) e R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), por conta da resolução da questão que estava em trâmite no Cade?
39. Vossa Excelência tomou conhecimento (antes da divulgação na imprensa) do recebimento, por Rodrigo da Rocha Loures, de R$ 500.000,00 (quinhentos mil erais) do Grupo J&F Investimentos S/A, em São Paulo, em 28 de abril de 2017? O que tem a dizer sobre tal fato (ainda que tenha tomado conhecimento do mesmo pela imprensa)?
41. Ricardo Saud, em depoimento prestado na Procuradoria-Geral da República, conforme vídeo já amplamente divulgado, afirmou que tratou com Rodrigo da Rocha Loures sobre os repasses semanais já mencionados, mas ressaltou, categoricamente, que o dinheiro era direcionado a Vossa Excelência. O que Vossa Excelência tem a dizer a respeito?
Segundo e último bloco
No segundo bloco, duas perguntas versam sobre ajuda de Temer em operações de Joesley Batista envolvendo o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O empresário teria pedido para o presidente ajudar a "destravar" empréstimo solicitado pela JBS.
Temer respondeu que servidores do banco estão com bens indisponíveis e que a instituição tem uma verba de R$ 150 bilhões parada.
81. Joesley Batista também mencionou determinada operação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) que tinha dado certo, sendo que Vossa Excelência manifestou ter conhecimento do tema, mencionando, inclusive, que havia falado com "ela" a respeito. Qual importância referida pelo empresário?
82. A pessoa aludida por Vossa Excelência no contexto é Maria Silvia Bastos Marques, ex-Presidente do BNDES? O que solicitou a ela?
Mas o interrogatório não se limita à JBS e Joesley Batista. Temer é questionado sobre relações com outras pessoas que o teriam ajudado na atividade política. É o caso do misterioso Edgar e, também, dos donos do Grupo Rodimar, de Santos (SP). Essa empresa teria sido beneficiada pelo texto do decreto 8.049, que permite que as concessões para exploração de portos sejam prorrogadas por mais 35 anos, até o limite de 70 anos, sem licitação.
Confira:
48. Vossa Excelência conhece Antônio Celso Grecco, proprietário do Grupo Rodrimar, de Santos/SP? Qual relação mantém com ele?
49. Vossa Excelência já recebeu alguma contribuição financeira para fins eleitorais de Antônio Celso Grecco, da empresa Rodrimar ou de alguma outra empresa a ela vinculada? Quando e qual o valor?
54. Vossa Excelência tem relação de proximidade com empresários atuantes no segmento portuário, especialmente de Santos/SP?
55. Vossa Excelência conhece Ricardo Mesquita, vinculado à Rodrimar? Que relação mantém com tal pessoa?
56. Rodrigo da Rocha Loures mencionou a Vossa Excelência o fato de ter encontrado Ricardo Mesquita no mesmo dia (e local) em que esteve reunido Ricardo Saud? Se sim, qual o propósito do encontro com Ricardo Mesquita?
A Rodrimar tem duas concessões em Santos. Uma delas foi conseguida depois de 1993, portanto, poderia ser beneficiada parcialmente pelo novo decreto, de acordo com especialistas da área. O decreto teria concordância de Temer.