
Terminou na carceragem da Polícia Federal (PF), em São Paulo, a certeza de impunidade manifestada pelo empresário Joesley Batista enquanto preparava sua colaboração premiada à Procuradoria-Geral da República (PGR). Na gravação que motivou o mandado de prisão emitido na manhã deste domingo (10) pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, Joesley se gabava ao executivo Ricardo Saud: "Eu não vou ser preso. O pessoal não vai, diretor não vai. Ninguém aqui vai ser preso."
Eram 14h05min deste domingo quando Joesley e Saud cruzaram os portões da PF para se entregar. Tão logo os agentes abriram a cela na qual ele permanecerá detido pelo menos até esta segunda-feira (11), o empresário chorou. Ainda na segunda os dois devem ser transferidos para Brasília em uma aeronave da PF.
A prisão de Joesley e Saud é a maior reviravolta já ocorrida nas 159 delações homologadas pelo STF na Operação Lava-Jato. Eles haviam conseguido imunidade junto a PGR após fecharem um acordo de delação premiada que assombrou o país em maio. Em troca de perdão por 240 condutas criminosas, cujas penas somadas individualmente poderiam alcançar de 400 a até 2 mil anos de prisão, os donos do grupo J&F, Joesley e o irmão Wesley Batista, além de outros cinco executivos da holding, entregaram indícios contra o presidente Michel Temer, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e dezenas de políticos.
Leia mais
Fachin autoriza prisão de Joesley Batista e Ricardo Saud
Joesley Batista e Saud haviam colocado passaportes à disposição da Justiça
Ocultação de provas é o motivo apresentado para ordenar prisões de diretores da J&F
Pelos termos do acordo celebrado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e chancelado por Fachin, os delatores não poderiam ser processados por nenhuma crime confessado, estariam livres das investigações em andamento contra si e ainda teriam perdão judicial caso sejam denunciados em outros processos.
Tudo começou a cair por terra na manhã de domingo, 3 de setembro. Ao examinar novos documentos entregues pela J&F no complemento da delação, uma procuradora deparou com uma conversa gravada supostamente por engano. No diálogo, Joesley e Saud revelavam informações ainda desconhecidas da PGR e insinuavam ter contado com a colaboração do então procurador Marcello Miller na costura do acordo. Assombrado com o teor da conversa, Janot anunciou a revisão dos benefícios e, na sexta-feira, pediu a prisão de Joesley, Saud e Miller.
Os três haviam prestado depoimento entre quinta e sexta-feira, em Brasília e no Rio. Ainda na noite de sexta, Janot submeteu os pedidos de prisão ao STF. Fachin decretou prisão temporária de Joesley e Saud — válida por cinco dias — e rejeitou o pedido quanto a Miller, embora tenha visto "consistentes indícios de exploração de prestígio" por parte do ex-procurador. O ministro também suspendeu os benefícios do acordo de delação.
A expectativa era de que os delatores se entregassem à PF em Brasília. No sábado, seus advogados já haviam entregado os passaportes de ambos ao Ministério Público Federal e esperava autorização para que eles pudessem embarcar rumo à Capital Federal. Como não houve resposta, decidiram se apresentar à polícia em São Paulo.
Durante toda a manhã, jornalistas e curiosos faziam plantão em frente à casa de Joesley, no suntuoso bairro do Jardim Europa, na capital paulista. Um motorista que passava pelo local gritou "pega ladrão". Vizinhos que passeavam pela rua arborizada, repleta de casas de luxo cercadas por muros altos, responderam bradando "cadeia" e pedindo que a imprensa filmasse a detenção do empresário.
Joesley, contudo, não estava em casa. O único movimento na residência foi feito pela mulher dele, a jornalista Ticiana Villas Boas, que deixou a mansão dirigindo um Porsche às 12h30min. O empresário estava na casa do pai, onde almoçou. Ele deixou o local por volta das 13h45min, direto para a PF. Já Saud deixou seu apartamento no Morumbi, também na Zona Sul, quase na mesma hora. Do lado de fora da PF, manifestantes estouraram foguetes comemorando a prisão.
CONTRAPONTOS
- O que dizem Joesley Batista e Ricardo Saud
Em nota, os executivos informaram que se apresentaram voluntariamente à Polícia Federal e que não mentiram nem omitiram informações no processo que levou ao acordo de colaboração premiada. Afirmam, ainda, que estão cumprindo o acordo. O advogado de ambos, Antonio Carlos Almeida de Castro, o Kakay, que assumiu a defesa dos executivos, afirma que eles prestaram declarações e se colocaram sempre à disposição da Justiça. "Não pode o dr. Janot agir com falta de lealdade e insinuar que o acordo de delação foi descumprido", afirmou.