Fim de ano é tempo de balanços, acontecimentos, datas, números, filmes, discos, livros. Nesta edição, PrOA apresenta duas retrospectivas diferentes. A primeira, que você lerá nestas páginas, parte não de fatos, mas de uma categoria mais imprecisa - e não menos fundamental: as lições que ficaram deste 2014.
Perguntamos a artistas e intelectuais o que eles aprenderam ao longo do ano que passou - alguns deles personagens públicos com atuação aos olhos do público, como Luiz Antonio de Assis Brasil, secretário de Cultura do governo que encerra seu ciclo neste fim de ano. Outros, como Luiz Ruffato, refletem sobre os ecos de uma experiência ainda mais antiga que 2014. Ruffato provocou uma acirrada polêmica e foi alvo de críticas e aplausos - ambos entusiasmados - ao fazer o discurso de abertura da Feira de Frankfurt em outubro de 2013. Alguns vasculham a memória não em busca de episódios pontuais, mas de uma impressão geral sobre o que vivenciaram.
Cada um a sua maneira, os seis convidados compartilham a seguir seus aprendizados:
Luiz Rufatto, escritor
"Essa é uma pergunta de difícil resposta, até porque depois de determinada idade você acha que não tem nada mais para aprender. Mas, se eu fosse responder de forma absolutamente clara, eu diria, e pode parecer uma coisa absolutamente piegas, que aprendi a amar com mais tolerância as pessoas.
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Vivi neste ano um período bastante conturbado no quesito exposição, porque fui muito atacado depois que fiz o discurso de abertura da Feira de Frankfurt, e depois acompanhei com muita perplexidade o absoluto exercício de intolerância durante a campanha eleitoral. Eu até escrevi sobre isso no El País, naquela que foi a minha coluna mais lida para o site. Na véspera das eleições, eu disse que tinha parentes que iriam votar em uma, e outros que iriam votar no outro, e que eu não deixaria de amá-los por isso. E falo de amar não apenas no sentido abstrato, amar a humanidade, as pessoas como um todo, mas amar os que estão à minha volta, meus filhos, meus parentes, minha namorada, a escritora Helena Terra, que mora em Porto Alegre e que me transformou quase em um gaúcho.
Pode parecer um discurso piegas para muitos, mas não estou mais em um momento de me preocupar se estou sendo piegas ou não."
Lya Luft, escritora
"Acho que neste ano de 2014 aprendi várias coisas:
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Primeiro, como habitante deste país, aprendi que o Brasil está muito mais aviltado do que eu imaginava, corrupto, explorado, maltratado, e que não será nada fácil corrigir isso, tão profundo é o mal. Que precisamos nos informar muito mais, estar mais alertas, interessados e amorosos com ele.
Segundo, no aspecto pessoal, que a vida sempre nos abre portas e janelas, e que a arte, a criatividade, podem se expressar de várias maneiras.
Comecei a frequentar o atelier de Lou Borghetti e há um ano estou pintando em acrílico sobre tela.
Sou uma pintora? Sou uma escritora que aprende a criar com tintas e pincéis, não só com palavras e silêncios no computador.
Isso me deu uma grande alegria: o tempo não importa pelas rugas no rosto, mas pelos acontecimentos da alma.
Terceiro, sou extremamente ligada à família, com filha, filhos e netos. Há alguns meses tenho um filho morando e trabalhando num lugar muito remoto da África, e lá realizando coisas incríveis. Isso me ensinou, mais uma vez, que nos afetos bons (e com auxilio da parafernália eletrônica), longe pode ser perto."
José Castello, jornalista e escritor
"Em 2014, aprendi um pouco melhor - mas certamente não o suficiente - a conviver com a turbulência.
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Foi um ano particularmente agitado e intranquilo, não apenas em minha vida pessoal, mas sobretudo na minha vida político-social.
O mundo se torna cada vez mais inconstante, irregular e turbulento, e é preciso não temer isso. Ao contrário, é preciso saber lidar com isso.
Em consequência, aprendi também a valorizar a serenidade, o silêncio e a introspecção. Valores que são fundamentais na literatura e que sempre transportei para minha vida pessoal.
Em especial, valorizar o silêncio. Vivemos em um mundo de muitos ruídos, muito falatório, muito barulho. Esse mundo buliçoso impede o homem de parar e de se voltar para si mesmo.
Nessa grande zoeira que é o mundo contemporâneo, o silêncio se torna um elemento crucial. Para o homem não
se perder. Para ele permanecer centrado em si mesmo. Para continuar fiel ao
seu caminho.
Aprendi, sobretudo, a silenciar - e acho que esse foi um presente muito importante que a vida me deu."
Luiz Antonio de Assis Brasil, escritor e secretário de Cultura até o
fim do mandato de Tarso Genro
"Aprendi, em 2014, a ser paciente. Primeiro, para saber que a escrita de um romance pode estacionar por alguns meses sem que perca sua força, e isso porque um escritor não depende de uma súbita inspiração, mas, sim, de um estado permanente de atenção ao que acontece à sua volta.
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Em segundo lugar, aprendi a ser paciente para saber que a construção da Sala Sinfônica da OSPA - uma obra que a sociedade do RS deseja, que os músicos esperam, e o Dr. Nesralla e o Prof. Leite buscam viabilizar há décadas - não depende apenas de nossa vontade, mas de um sofisticado sistema técnico-burocrático-financeiro. Um romance, uma Sala Sinfônica, exemplos de paciência: mas aprendi que ambos acontecerão.
Clara Pechansky, artista visual
"Em 2014 aprendi que o mundo está cada vez mais doente; que o ebola vai matar milhares devido ao descaso dos países ricos; que a humanidade destruiu o clima, a fauna e a flora do planeta; que o terrorismo e o radicalismo estão chegando cada vez mais perto; que a Alemanha ganhou de 7 a 1; que o país está mais preconceituoso e mais dividido; que a roubalheira dos nossos dirigentes está na raiz da violência urbana, da educação precária, da falta de moradia, de saúde e de saneamento básico.
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Em 2014 aprendi ainda que, apesar das excelentes mostras do Margs, da inauguração da Pinacoteca Rubem Berta, da doação de obras do Luiz Carlos Lisboa, dos livros da Miriam Tolpolar e da Anico Herskovits, da exposição do Moacyr Scliar, da mostra dos 80 anos da UFRGS, o fim do ano nos reservou uma última aprendizagem: a perigosa constatação de que em Porto Alegre uma escultura do Xico Stockinger tem que conviver com uma fila de banheiros químicos."
José Rivair Macedo, historiador
"Ao refletir sobre o ano que se encerra, percebo ter em diversos momentos sentido a necessidade de um mergulho mais demorado em valores essenciais para a vida em sociedade. Nunca estivemos tão cercados de informações, embora pouco informados. Junto aos muitos pequenos aprendizados diários, aqueles quase imperceptíveis, a lição aprendida em 2014 é a de que é preciso mais do que nunca valorizar o silêncio, deixar de ter pressa, selecionar o que realmente vale a pena.
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Aprendi a ser menos tolerante em relação aos simulacros do real que se tornaram prisões virtuais, a opressão dos consensos fabricados e reafirmados, a falta de limites e de respeito em nome da liberdade individual. Então, se tivesse que escolher uma ideia e colocá-la em destaque, esta seria: responsabilidade social".