
Advogado, professor emérito da Universidade Mackenzie, da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e da Escola Superior de Guerra, Ives Gandra Martins é autor do parecer que defende a existência de elementos jurídicos para o impeachment de Dilma:
Seu parecer provocou controvérsia, ao afirmar que há elementos para o impeachment de Dilma, sem a necessidade do dolo.
Dolo e culpa formam duas maneiras de se praticar crimes. Na culpa, não há intenção. É evidente que tem um peso diferente com dolo e culpa quando se trata de crime normal. A culpa foi colocada na lei como crime de improbidade administrativa, quando admitiram que ação ou omissão constituem crimes. Por outro lado, a Constituição fala em atos de improbidade à administração. Não significa que a pessoa tem intenção. E já houve duas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em que decidiram que culpa grave pode gerar crime de improbidade administrativa, em casos de prefeitos. Meu parecer é jurídico, sem conotação ideológica. Agora, eu mesmo reconheço que o julgamento é eminentemente político. O Collor caiu não pelo crime do qual foi acusado, porque foi absolvido pelo Supremo. Ele caiu porque a pressão popular foi tão grande que mesmo os aliados não tiveram coragem de votar a favor. Juridicamente há condições para o impeachment, politicamente ainda não. O julgamento vai depender de haver condições no Congresso e do resultado das manifestações populares.
O senhor diz que seu parecer é apenas jurídico, mas o advogado que o encomendou é defensor de FHC.
Essa minha posição não é de agora, por isso que ele me procurou. Não é uma posição feita para esse parecer. Ele apenas veio me pedir que, num parecer concreto, eu examinasse o caso. Eu sabia que ele era advogado do Fernando Henrique, e a primeira coisa que perguntei foi: "O parecer é para o Fernando Henrique?". E ele disse: "´Não, ele nem sabe". E o próprio FH se manifestou que nem era o momento, que nem sabia, só tomou conhecimento quando saiu na Veja. Ele não me revelou o cliente, qualquer advogado tem o direito de resguardar. Meu parecer é jurídico. Os juristas que me criticaram, inclusive aí do RS, analisaram que foi uma posição ideológica, mas inúmeros juristas me apoiaram. E outros não. Porque a matéria no campo do Direito é nova... na medida em que sempre se colocou só o dolo (como elemento para impeachment), e eu trago, pelos raciocínios do STJ, da legislação... que culpa também pode gerar, é uma tese nova. Quando se tem bilhões desviados de uma empresa sob administração do governo, e a própria Dilma foi presidente do Conselho de Administração, ministra de Minas e Energia, Presidente da República... Não se pode ter uma empresa assaltada em bilhões e ninguém perceber, por oito anos.
É possível separar o jurídico do político nessa análise?
O julgamento será político. Mas do ponto de vista jurídico a matéria merece ser discutida porque não vale só para presidente. Vale para governadores, prefeitos. Não sou de nenhum partido, tenho defendido tranquilamente minhas posições jurídicas em 58 anos de advocacia. Por exemplo, quando o Dirceu foi condenado, fui contrário à aplicação da teoria do domínio do fato e dei uma entrevista na Folha dizendo que entendia que ele foi condenado sem provas materiais. Naquela ocasião, o pessoal do PT me defendeu, agora todo mundo me ataca.
No parecer, o senhor menciona que Dilma poderia ser responsabilizada como presidente do conselho da Petrobras. Outros juristas dizem que o impeachment só valeria para o que ela fez como presidente.
Eu analiso no meu parecer o crime continuado. Ela foi presidente do Conselho de Administração. Foi ministra de Minas e Energia. Foi presidente da República e no primeiro governo dela continuou havendo, até 2012. Ela manteve a mesma direção. Então houve continuidade. Se ela tivesse começado uma nova administração sem continuidade da anterior, esse argumento poderia ser levantado. Mas no momento em que ela tem que fiscalizar, Graça Foster estava no primeiro, no segundo... e continuou neste ano... houve continuidade da não fiscalização de gestão. Eu quero deixar claro que não estou fazendo nenhum julgo de desonestidade da presidente. Eu digo no início do parecer que a pessoa pode ser a mais honesta do mundo: mas se de seus atos decorrerem improbidade administrativa, o crime de improbidade existe, apesar de ser uma pessoa honesta.