
* Ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal, publicou artigo sobre Paulo Brossard na edição de 19 de outubro de 2014 do caderno Proa. Confira o texto:
No próximo dia 23, o ministro Paulo Brossard de Souza Pinto completa 90 anos. Esse fato não pode deixar de ter especial registro, pela longa e profícua atuação do aniversariante na vida pública do Estado e do país, nos três poderes da República - como legislador, homem de governo e magistrado, além de advogado desde jovem, professor, festejado conferencista e autor de expressivo número de trabalhos que enriquecem nossa literatura e cultura jurídicas, com particular destaque para O Impeachment, obra com que se inscreveu, em 1965, para o concurso à cátedra de Direito Constitucional na Faculdade de Direito de Porto Alegre, da hoje Universidade Federal do Rio Grande do Sul, havendo alcançado a condição de clássico sobre a matéria, entre nós, e de obrigatória consulta por quem haja de cuidar do tema em referência, quer doutrinária, quer judicialmente.
Nascido em Bagé, em 1924, Paulo Brossard cursou o Pré-Jurídico em Porto Alegre em 1941 e 1942, colando grau universitário em 1947, na Faculdade de Direito da hoje Universidade Federal do Rio Grande do Sul, com distintos registros acadêmicos. Desde 1949, em revistas especializadas, encontram-se trabalhos doutrinários de sua autoria, a revelarem sólida formação jurídica e definitiva convicção parlamentarista, desde a juventude.
Precedido, assim, de fama por sua cultura jurídica e denodo na defesa dos ideais partidários, foi eleito, pelo Partido Libertador, a 3 de outubro de 1954, com 30 anos incompletos, deputado na Assembleia Legislativa do Estado, posição que manteve em duas eleições sucessivas, até 1967, registrando os anais do parlamento gaúcho dessa época eruditos pareceres jurídicos como membro da Comissão de Constituição e Justiça.
Eleito deputado federal em 1966, em sublegenda do então MDB, sempre inconformado, entretanto, com a extinção dos partidos políticos pelo AI-2, continuava reafirmando os postulados programáticos libertadores e mantendo, no exercício desse mandato, postura de independência, o que reiterou em discurso de setembro de 1967 na Câmara dos Deputados, ao ressaltar que naquela Casa guardava inteira "independência de ação política e parlamentar" não tendo "chefes nem soldados".
Senador, de 1975 a 1983, eleito pelo então MDB, Paulo Brossard exerceu também funções no Executivo, estadual e federal. Em 1964, no governo de Ildo Meneghetti, quando da reorganização do secretariado, foi investido no cargo de secretário do Interior e Justiça do Estado. No plano federal, em 1985, por convite do então presidente José Sarney, ocupou o cargo de Consultor-Geral da República, por cerca de cinco meses, sendo investido, a seguir, no de ministro da Justiça, em fevereiro de 1986. Nessa posição permaneceu por quase três anos.
Com essa trajetória de homem público, íntegro e dedicado à causa da democracia, nos Poderes Legislativo e Executivo do Estado e da República, bem assim o imenso cabedal de cultura jurídica, humanística e experiência de eminente advogado militante, Paulo Brossard chegou ao Supremo Tribunal Federal a 5 de abril de 1989, indicado pelo presidente da República, com aprovação consagradora do Senado.
Havendo eu sido seu aluno, em 1954, na Faculdade de Direito da PUCRS, quando ouvia com interesse incomum o professor de Direito Civil, bem assim seu assistente na mesma disciplina, por honroso convite que, então jovem advogado, recebi do professor Paulo Brossard, nos primeiros anos da década de 1960, decerto não poderia, à época, imaginar que me estavam reservadas a alegria e a emoção de, na condição de presidente do Supremo Tribunal Federal, dirigir a sessão solene em que a Alta Corte recebeu o compromisso de Paulo Brossard e declará-lo empossado como ministro. Isso aconteceu na tarde de 5 de abril de 1989.
Marcante contribuição trouxe ao Supremo Tribunal Federal o ministro Paulo Brossard. Desde o início de sua atuação, revelou-se juiz modelar, por sua independência, pelo acurado estudo das causas que lhe foram distribuídas e o preciso relatório, pela segura visão do papel institucional da Corte e do necessário caráter de colegialidade a presidir seus trabalhos, pelo extraordinário volume de feitos que julgava cada mês, pelo exato entendimento da natureza objetiva e prática da função de julgar, pela correta aplicação da técnica de julgamento dos recursos extraordinários, pelo equilíbrio e senso de justiça na aplicação da lei penal e nas decisões em "habeas corpus" tão numerosos no STF. Além do Plenário, tive a ventura de compor com ele, após deixar a Presidência, a Segunda Turma, verificando, sessão a sessão, as preocupações do magistrado dedicado ao ofício jurisdicional, vivendo as angústias do ato de decidir terminativamente as causas e da impossibilidade material de a todas julgar, com o desejo da presteza.
Para a formação da jurisprudência da Corte, deixou significativa e valiosa contribuição em votos que integram seus repositórios e servirão sempre de fonte importante no exame dos temas versados com cuidado científico. Lamentavelmente, não há lugar aqui a analisar os seus pronunciamentos, por vezes longos e minuciosos, diante da exiguidade do espaço.
Foi ainda Paulo Brossard presidente do Tribunal Superior Eleitoral, tendo dirigido o plebiscito de 1993, sobre o sistema e forma de governo que deve vigorar no País, previsto no art. 2º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, havendo pessoalmente participado de horários reservados, nos meios de comunicação, à Justiça Eleitoral para o esclarecimento do eleitorado.
Após a aposentadoria, em 1994, voltou o ministro Brossard a residir em Porto Alegre e à plenitude da convivência familiar, ao lado de sua querida esposa, Lúcia, filhos e netos, prosseguindo sua atuação de jurista por meio de pareceres e conferências, sem prejuízo do constante debate dos problemas políticos atuais, inclusive em seus artigos na imprensa.