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Capitaneada por Eduardo Cunha, a Câmara dos Deputados tem votado diversos pontos da reforma política nas últimas semanas. Pedimos a dois cientistas políticos que analisassem os primeiros resultados dessas votações e o que eles dizem sobre o Congresso. Aqui, a opinião de Fabiano Engelmann, professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da UFRGS*.
Confira também a opinião de Marco Antonio Carvalho Teixeira
Os mecanismos institucionais que balizam o exercício e a legitimidade do poder político resultam sempre de conjunturas historicamente bem datadas. Ilusão pensar que leis possam, em qualquer circunstância, resultar de processos constituintes povoados por técnicos ou "cidadãos notáveis" dedicados a escolher modelos capazes de reformar práticas políticas seculares. Além de não serem construções ideais, os marcos legais servem para legitimar os grupos sociais e o poder político conjunturalmente dominante. Entre os inúmeros exemplos dessa premissa um tanto óbvia estão os sete arranjos constitucionais brasileiros - 1824, 1890, 1934, 1937, 1946, 1967, 1988 - que refletiram diferentes conjunturas políticas induzindo regimes e práticas autoritárias ou democráticas.
Por conta do fenômeno de profunda imbricação entre conjuntura política e construção de instituições, qualquer alternativa que desconsidere o "em jogo" no processo de discussão de reformas institucionais corre o risco de ser uma interpretação limitada. Nesse caminho se enquadram tanto análises que tentam (des)politizar o debate das reformas institucionais em detrimento da busca pelo modelo tecnicamente perfeito - geralmente inspirado na Europa ou nos Estados Unidos -; quanto à visão hiper-politizada do "clamor popular" pela mudança de "tudo que aí está". A pregação da "moralização da política" em regra tenta isolar-se do conflito entre ideologias, políticas de governo, financiamento de campanhas eleitorais e a parcialização inerente ao embate político refugiando-se em uma espécie de meta-razão do jogo político.
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O debate em torno da "reforma política" no Congresso Nacional parece refém de uma conjuntura profundamente negativa para o aperfeiçoamento da representação política. Tramitando no Congresso há mais de uma década, o conjunto de medidas visando modificar mecanismos que repercutem diretamente no processo eleitoral entrou na pauta de votações associado a uma conjuntura de crise da coalizão de governo e fortalecimento do ativismo político e social conservador entre os deputados. Esse cenário favorece o enfraquecimento de um debate parlamentar estruturado em torno da disputa entre as bancadas e respectivos projetos de reforma permeados por amplo debate público. A presença na Presidência da Câmara de um ativismo com a finalidade de contrapor-se às iniciativas legislativas do governo e implodir a coalizão governante intervém na condução afobada da agenda da reforma na Câmara expressa em diversas manobras, tais como a dissolução da Comissão legislativa e na condução abrupta do projeto de reforma para o plenário.
Nessa conjuntura política, as reformas em votação, que ainda passarão pelo Senado, tendem a não trazer avanços que possam contribuir para modificações que tragam maior legitimidade para a representação política. Em sentido geral, esse aperfeiçoamento implicaria reformas que ajustassem a trajetória do sistema adotado a partir dos marcos da Constituição de 1988. Destaca-se, por exemplo, a correção de distorções na representação partidária visando um sistema com maior correlação entre votos e distribuição de vagas na Câmara e o ajuste no efeito de desproporcionalidade na distribuição de cadeiras na Congresso em relação a população eleitora por estados, entre outras questões.
Os resultados parciais da reforma indicam que as organização partidárias e os parlamentares que se especializaram em capturar a Câmara dos Deputados favorecendo a reprodução da lógica distributiva de benefícios típica de um spoil system nas coalizões de governo e nas relações com o eleitorado, continuarão predominando. A primeira votação da reforma eleitoral manteve o sistema atual com todos os seus problemas e foi ainda a melhor possível. A proposta alternativa, trazida pelos setores conservadores do Congresso - que obteve o apoio de 210 parlamentares - tendia a aprofundar ainda mais mecanismos personalistas e clientelistas do sistema eleitoral atual.
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O financiamento das campanhas eleitorais tem sido um dos embates que sempre dividiu profundamente os grupos políticos pois diz respeito diretamente ao potencial do poder econômico de intervir nas eleições potencializando o clientelismo político. Em primeiro turno os parlamentares mantiveram o financiamento empresarial das campanhas eleitorais restringindo aos partidos políticos, o que fortalece as organizações partidárias enquanto máquinas de arrecadação de dinheiro.
Embora todos os pontos específicos que compõem o conjunto da "reforma política" ainda estejam em debate, podendo ser revisados na rodada de votações no Senado, o sentido da reforma dificilmente será alterado na atual conjuntura política. Ou seja, após 10 anos de expectativa a reforma será no sentido de conservar as práticas que contribuem para enfraquecer a representação política.