
Capitaneada por Eduardo Cunha, a Câmara dos Deputados tem votado diversos pontos da reforma política nas últimas semanas. Pedimos a dois cientistas políticos que analisassem os primeiros resultados dessas votações e o que eles dizem sobre o Congresso. Aqui, a opinião de Marco Antonio Carvalho Teixeira, cientista político e professor do departamento de Gestão Pública da EAESP/FGV*.
Confira também a opinião de Fabiano Engelmann
As discussões em torno de uma reforma política vêm ocupando espaço no debate público brasileiro desde a promulgação da Constituição de 1988 em diferentes momentos e por diferentes razões. A possibilidade de uma reforma, sempre que foi levantada, trazia consigo a perspectiva de mudanças que propiciassem no mínimo uma competição eleitoral menos desigual economicamente e uma maior sinergia entre representantes e representados.
Questões como mudanças no sistema eleitoral, financiamento de campanha, fidelidade partidária, obrigatoriedade do voto, dentre tantas outras, ficaram ainda mais acentuadas como problemas a serem enfrentados pelo Congresso Nacional durante as grandes manifestações de junho de 2013. Estas acabaram colocando em xeque não apenas a eficiência dos governos, mas também o nosso sistema político. Não por acaso, no auge da crise política advinda daquelas manifestações, a presidente da República veio a público propondo um plebiscito sobre a reforma. Todavia, passados quase dois anos, a temática entrou na agenda da Câmara dos Deputados e teve sua primeira etapa finalizada como uma das prioridades do presidente da Casa. A condução da reforma e as mudanças aprovadas nessa primeira etapa deixaram a sensação de frustração tanto com o processo, conduzido ao gosto do deputado Eduardo Cunha ao invés de priorizar um debate público mais amplo, como em relação aos resultados alcançados.
Ministra do STF nega liminar que pedia suspensão de PEC da Reforma Política
No que se refere aos resultados, a sensação inicial é de que esta foi uma reforma que atendeu mais aos interesses dos próprios políticos do que produziu benefícios para a sociedade. Por exemplo, fica difícil entender as razões do fim da reeleição para o Executivo quando se vê o argumento dito por um parlamentar favorável à medida de que "é desigual e injusto alguém disputar eleição contra o governante que está no poder com todos os favorecimentos que este poder proporciona". Ora, parlamentares também não fazem uso de recursos financeiros e de poder obtidos com o mandato durante a disputa eleitoral? Se assim for, o que justificaria a manutenção da reeleição de forma indefinida para a representação parlamentar? Outra questão que ainda carece de explicação é a redução da idade mínima para concorrer ao Senado e aos governos estaduais de 35 e 30, respectivamente, para 29 anos. Ora, por que 29 anos e não um alinhamento para 30? Também se legislou em causa própria com a aprovação de uma "janela de infidelidade." Nela foi fixado o prazo de 30 dias, após a promulgação da PEC, para que deputados e vereadores troquem de partido sem risco de perda de mandato. Essa possibilidade, mesmo que temporal, vai promover um troca-troca partidário generalizado de olho nas eleições subsequentes. Tudo precisa, ainda, passar por votação em segundo turno na própria Câmara e posteriormente no Senado. Todavia, apenas o Senado deve fazer algum tipo de alteração.
Por outro lado, por mais paradoxal que pareça, existem situações em que a decisão de não mudar nada representou um avanço frente ao que poderia vir, mesmo que não tenhamos saído do lugar em que nos encontrávamos: são os casos das propostas de implementação do distritão e do fim do voto obrigatório. No caso do distritão, medida rejeitada após uma enorme pressão externa sobre os parlamentares, ela teria efeitos nocivos para os custos de campanha e acentuaria ainda mais individualização das campanhas e da atividade parlamentar ao retirar dos partidos importância na formação das bancadas com o fim do voto de legenda. Para quem estava fora do sistema, a disputa eleitoral se tornaria extremamente desigual por não contar com recursos como emendas parlamentares, recursos governamentais e verbas de gabinete que qualquer parlamentar no exercício do mandato pode acabar manuseando. A manutenção do voto obrigatório contribui para o fortalecimento da nossa democracia não apenas por propiciar quóruns que atestam a legitimidade das eleições, como também por fazer o vínculo entre direitos e deveres da cidadania. Uma alta abstenção colocaria em risco a legitimidade das decisões do governante e teria implicações para o reconhecimento democrático da autoridade eleita.
"Nunca pertenci a esse mundo da política", diz Barbosa
Por fim, resta uma questão polêmica: a manutenção do financiamento privado de campanhas por meio de doações exclusivas aos partidos onde se vê perdas e ganhos. Perdas no sentido de apesar de o problema ser antigo, o debate ainda não amadureceu o suficiente para que fosse possível construir uma alternativa mais consensual que superasse a dicotomia entre financiamento público ou financiamento privado. O ganho vai depender, sobretudo, de regulamentações a posteriori, caso o modelo aprovado seja mantido. Será preciso investir em transparência e em maior controle público sobre esses recursos para impedir que situações como as que foram reveladas pela operação Lava-Jato sejam repetidas. Um ganho importante nesse objetivo, sem nenhuma dúvida, foi a recente regulamentação da Lei Anticorrupção, também conhecida como Lei da Empresa Limpa, que permite responsabilizar empresas por envolvimento em esquemas de corrupção, algo novo para um país que até então pensava que corrupção fosse apenas um problema da administração pública.