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* Economista e professor do PPGE-UFRGS
Libertarianismo é a filosofia política da liberdade. Seus conceitos centrais foram sendo desenvolvidos ao longo dos séculos e podem ser encontrados em textos antigos como o Tao Te Ching e a Bíblia. Entretanto, foi a partir dos séculos 17 e 18 que o ideal de liberdade começou a tomar forma como filosofia política por autores como John Locke, David Hume, Adam Smith, John Stuart Mill e Thomas Jefferson. Libertários acreditam que o respeito pela liberdade individual é o requisito central de justiça e que as relações humanas devem ser baseadas em consentimento mútuo. Eles advogam uma sociedade livre baseada em cooperação, tolerância e respeito mútuo.
Libertários acreditam que todas as pessoas têm o direito de decidir os rumos das suas vidas e não podem ser forçadas a servir outros nem ser sacrificadas em nome de grandes ideais sociais. Desta forma, libertários enfatizam a dignidade de cada indivíduo, o que lhes confere tanto direitos quanto responsabilidades: adultos não devem ser tratados como escravos ou servos, nem como crianças. Algumas das maiores conquistas da humanidade, como a abolição da escravidão; o estabelecimento de tolerância religiosa; a progressiva extensão da dignidade às mulheres, gays e minorias étnicas e religiosas; a substituição da superstição pela ciência; a subordinação de monarcas a parlamentos eleitos; a proteção de direitos à propriedade para todos; a substituição do mercantilismo por mercados e a substituição de governos arbitrários pelos constitucionalmente limitados, estão todas intimamente vinculadas às ideias de liberdade e dignidade individual.
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Libertários acreditam que se levarmos seriamente a ideia de que as relações humanas devem ser voluntárias, então o escopo de atuação de governos na sociedade deve ser fortemente restringido, pois muitas coisas que governos fazem e que as pessoas desejam que eles o façam não podem ser feitas sem tratar outros como escravos, servos ou crianças. De forma antagônica, ideologias políticas coletivistas como marxismo, socialismo e fascismo assumem que se pode tratar os outros como escravos, servos ou crianças, sendo que a discordância entre estas é quem deve ser tratado desta forma. Desta forma, libertários não confiam em governos, por dois motivos: 1) governos não têm a competência nem a informação necessária para interferir em afazeres privados de forma benéfica, e 2) conferir poder crescente a governos sobre nossas vidas atrai para a esfera pública não somente aqueles que desejam ajudar mas também aqueles que desejam explorar e viver às custas dos outros.
Libertários acreditam que, no que diz respeito à justiça, cada pessoa deve ser dotada de um extenso conjunto de direitos, que incluem liberdades civis, econômicas e políticas. As liberdades civis incluem a liberdade de expressão, o direito de associação, a liberdade de pensamento, o direito à integridade física e à proteção contra abusos e assaltos, liberdade de escolha de estilo de vida, o direito de protestar e o direito de deixar o país. As liberdades econômicas incluem o direito de adquirir, usar, manter e doar propriedade, o direito de estabelecer contratos, de comprar ou vender bens e serviços na forma compactuada pelas partes, de escolher sua ocupação profissional e de negociar os termos que regem contratos de trabalho. As liberdades políticas envolvem o direito de votar e concorrer em eleições, assim como o direito de viver sob governos não arbitrários e intrusivos.
Libertários enfatizam direitos negativos, que são direitos de exclusão, pois nos impedem de fazer certas coisas com os outros. Como exemplos de direitos negativos temos o direito à vida, que nos nega o direito de matar outros; o direito à propriedade, que diz que não temos o direito de usar propriedade alheia sem o consentimento dos seus proprietários; e o direito à liberdade, que diz que não temos o direito de escravizar outros. Por outro lado, existem os direitos positivos, que dizem que se alguém tiver um direito positivo a algo, outras pessoas devem prover a satisfação deste direito.
Libertários acreditam que somente em casos especiais podemos ter direitos positivos contra outras pessoas, como por exemplo, a obrigação dos pais de cuidar dos filhos. Libertários não acreditam que qualquer pessoa deva ter direitos positivos contra a sociedade como um todo. De forma geral, os direitos que os libertários acreditam que as pessoas têm são direitos morais, que proveem uma estrutura necessária para convivência social pacífica e próspera, baseada em justiça e sólidos valores morais. Entretanto, cumpre notar que não se tratam de direitos legais, que podem ser radicalmente distintos e estruturar a sociedade em outras bases.
Existem basicamente duas grandes vertentes do libertarianismo. A primeira, com foco em direitos, tem como alguns de seus expoentes filósofos como John Locke (1632 - 1704), que argumentou que indivíduos têm direitos naturais, como à vida, à propriedade e à liberdade, e que a única função do governos é garanti-los; Ayn Rand (1905 - 1982), Robert Nozick (1938 - 2002), Douglas Rasmussen (1948) e David Schmidtz (1955), cujas contribuições são nas áreas de ética e filosofia moral e política.
A segunda vertente, chamada de consequencialista, tem economistas como seus principais expoentes. Adam Smith (1723 - 1790) explicou como ações de indivíduos autointeressados, de forma voluntária em mercados organizados, como que guiados por uma mão invisível, geram prosperidade para a sociedade e produzem o que se chama de ordem espontânea, onde as ações de firmas e consumidores são coordenadas em mercados ou outros arranjos privados sem a necessidade de intervenção de governo. Ludwig Von Mises (1881 - 1973), da escola austríaca de economia, mostrou no debate do cálculo socialista que este sistema era incompatível com o progresso econômico, pois seria impossível para os planejadores realizar os cálculos necessários para alocar os bens em uma economia moderna. Friederich Von Hayek (1899 - 1992), também da escola austríaca de economia, mostrou que o socialismo, além de dar ao governo um poder indesejável nas relações econômicas, também lhe permite expandir controle sobre liberdades individuais, levando naturalmente a Estados totalitários como a Alemanha nazista ou a União Soviética. Finalmente, Milton Friedman (1912 - 2006), da Universidade de Chicago, defendeu os princípios de livre mercado no debate público nos EUA e mostrou que liberdades econômicas são necessárias para a consolidação de liberdades políticas.
A relevância e a importância das ideias do libertarianismo para o Brasil decorrem do fato de que as sociedades que conseguem combinar, de forma fundamental, as prescrições de governo limitado de John Locke com as prescrições de liberdade econômica de Adam Smith, são exatamente aquelas que atualmente são as mais prósperas, pacíficas e virtuosas. Em linhas gerais, o século 20 e o início do século 21 têm sido pródigos na oferta de evidências empíricas favoráveis à visão libertária.
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