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Jornalista britânico, editor de economia do Channel 4 da BBC e colunista do jornal The Guardian, Paul Mason lançou no final de julho um livro no qual reflete sobre o fim do capitalismo como o conhecemos. O que viria a seguir, o chamado Pós-Capitalismo - termo que também dá título ao livro* - seria uma sociedade sem mercado, onde as pessoas trabalhariam menos, mas matérias-primas, energia e alimentos não seriam abundantes.
O cenário de revolução econômica, que o próprio Mason admite soar utópico, seria possibilitado pela tecnologia, que permitiria uma mudança tão radical como foi a passagem do feudalismo para o capitalismo.
E engana-se quem pensa que plataformas como Airbnb e Uber seriam prenúncios desse pós-capitalismo. Para Mason, "a economia compartilhada apenas reparte as sobras da vida consumista".
Por e-mail, o autor concordou em responder a cinco questões sobre sua obra:
O senhor fala em seu livro sobre o surgimento de um pós-capitalismo. Na prática, como o novo sistema pode mudar a vida das pessoas?
O sistema está apenas emergindo, e em nichos não oficiais do atual sistema. O pós-capitalismo se manifesta de três formas: a dissociação entre trabalho e salários, o colapso do preço da informação como um bem e o surgimento de novas atividades em rede, colaborativas e não comerciais. Penso que, se o pós-capitalismo se tornar um regime pleno, o problema econômico vai desaparecer. O problema, para a humanidade, será como viveremos as nossas vidas - nossa sexualidade, nossa criatividade, a busca da excelência física e mental. Se isso soa um pouco como socialismo utópico, até pode ser, mas com a adição de um importante ingrediente extra: a informação torna essa utopia possível.
Aplicativos como o Airbnb, o Uber e outros, que pretendem eliminar a mediação entre os consumidores e as empresas de grande porte, devem se tornar cada vez mais presentes? Essas empresas seriam "pós-capitalistas"?
Deixe-me ser claro, porque esses modelos de negócio surgiram durante a elaboração do meu livro: eu não vejo Airbnb e Uber como empresas pós-capitalistas. São plataformas monopolistas em busca de lucro. Elas poderiam facilmente ser replicadas como verdadeiros negócios colaborativos, que não visam o lucro - mas você pode apostar que elas estão fazendo o possível para evitar que isso venha a acontecer. Penso que um dia as veremos como o AltaVista (extinta ferramenta de busca) da internet, ou o equivalente a todos esses jardins murados de conteúdo que a AOL/Time Warner tentou construir. Mas, na sua forma pura, essas empresas também demonstram o que o infocapitalismo deve ser: não apenas monopólio, mas a captura das chamadas "externalidades" (efeito de uma decisão sobre aqueles que não participaram dela) - no caso da Airbnb, o efeito em rede de todo mundo ceder seu apartamento para outras pessoas. Essa repercussão positiva é o "excedente" contra o qual o capitalismo moderno luta, e ele tem que lutar contra o produtor e o consumidor para isso.
O senhor afirma em seu livro que as grandes transformações sociais, ao contrário do que a esquerda clássica sempre sustentou, não serão promovidas pela classe trabalhadora e sim por pessoas "educadas e conectadas". Como essas mudanças podem beneficiar trabalhadores menos qualificados?
Ainda acredito que as organizações sindicais têm um grande papel a desempenhar, mas a premissa do meu argumento é a de que um novo tipo de ser humano está emergindo - tão diferente da humanidade que viveu sob o capitalismo quanto esta é diferente daquela que vivia sob o feudalismo. Penso que o indivíduo que vive em rede, conectado, não é, necessariamente, uma elite: cada fábrica chinesa contém trabalhadores mais inteligentes e conectados graças aos smartphones que levam em seus bolsos. Entrevistei sociólogos e advogados que trabalham com os militantes trabalhistas de Guangdong (a antiga região do Cantão, no sul da China) e eles me disseram que as mensagens instantâneas transformam uma rede de conexões em uma aldeia em uma ampla rede grevista.
No pós-capitalismo, quais serão as alterações mais marcantes nas relações de trabalho? Países em desenvolvimento, como o Brasil, no qual a legislação trabalhista é bem regulamentada, vão encontrar mais difículdade para se adaptar a esse novo sistema?
Não estou defendendo uma redução na regulação do trabalho! Na verdade, reinstituí-la na Europa e nos Estados Unidos vai, de algum modo, ajudar a alcançar o primeiro objetivo, que é o de "desarmar o neoliberalismo". Em última análise, a transição para uma sociedade de baixo nível de trabalho vai precisar, primeiro, de desenvolvimento - porque a infraestrutura em um lugar como o Brasil não pode, eu diria, ser sustentável e menos desigual com o modelo neoliberal globalizado. Mas, ao alcançar o topo do desenvolvimento físico e humano, você precisa promover a economia de pouco trabalho: a renda básica universal mais a promoção ativa de trabalho compartilhado entre pares é um passo nessa direção. O que estou dizendo - e que é apenas uma versão mais otimista do que André Gorz já disse na década de 1980 - é que as utopias baseadas no trabalho estão liquidadas. E eu venho de uma cidade com tecelagens e mineração onde nós mais ou menos inventamos a utopia baseada no trabalho - então eu digo isso com um elemento de luto e perda.
A geração que já nasceu em uma sociedade online às vezes é identificada por um apelido: IWWIWWIWI (sigla em inglês para "Eu quero o que eu quero quando eu quero"), em função de sua constante busca de gratificação instantânea. A economia compartilhada tem atendido, em parte, a essas demandas. Essa geração vai encontrar satisfação no pós-capitalismo? Ou, ao contrário, pode se frustrar?
Uma verdadeira sociedade pós-capitalista será uma sociedade sem mercados, com relativa abundância - exceto por três elementos: matérias-primas, alimentos e energia. Essas coisas são finitas - mesmo a energia solar é finita. Então, meu palpite é que, a longo prazo, as pessoas vão lidar bem com a abundância relativa. Assim como as pessoas que nascem com acesso instantâneo à maior parte do conhecimento já produzido parecem lidar bem com isso, assim será com as pessoas nascidas em uma era de um dia laboral de quatro horas ou de uma vida de trabalho de duas décadas. Para aqueles de nós que nasceram e cresceram na geração coletivista, o surgimento de uma geração de indivíduos em colaboração tem suas desvantagens. Eles nunca vão se unir como os mineiros e os impressores britânicos fizeram na década de 1980, ou como os estivadores incrivelmente resilientes no Pireu, na Grécia. Mas eles vão ser livres de todas as barreiras mentais e repressões que uma sociedade de classes operárias coletivizadas impõe (e que são a fonte de sua força industrial e sua fraqueza política).
Gostaria de acrescentar que a economia capitalista compartilhada não atende de modo algum às demandas de gratificação; ela simplesmente reparte as parcas sobras da vida consumista: "Aqui estão algumas horas sem uso no meu próprio apartamento, vou vendê-las para você". É sobrevivência, mas não é a base para uma nova revolução industrial.
* POSTCAPITALISM: A GUIDE TO OUR FUTURE
Paul Mason Penguin, 368 páginas.
Mason está negociando edição da obra no Brasil ainda este ano.