
*Doutor em Ciências Sociais pela PUCRS, professor de Relações Internacionais do Centro Universitário Ritter dos Reis
Após os ataques terroristas à França na última sexta-feira 13, o futuro da política internacional no Oriente Médio voltou a ser tema de análise. A declaração de guerra feita pelo presidente francês contra o Estado Islâmico (EI) colocou em pauta a possibilidade de uma ação coordenada entre as potências ocidentais e a Rússia contra o grupo islamita. Finalmente, uma coalizão possível concorda que o EI é o verdadeiro inimigo. Ocidente e Rússia indicam estar no caminho rumo a um enfrentamento direto e concertado contra o EI para destruí-lo definitivamente. Um dos prognósticos afirma que as forças de ambos os lados da coalizão podem, de fato, derrotar o EI, dada sua capacidade militar muito superior. Contudo, em linhas gerais, todas as análises acabam por concluir que a política no Oriente Médio é complexa demais para conseguirmos compreendê-la e sermos capazes de mapear o futuro possível da região.
A ideologia por trás do Estado Islâmico e de seu ímpeto de salvar o mundo
Como a França pode conjugar o combate ao terror e o multiculturalismo
Mas será esse o caso? A política internacional do Oriente Médio é realmente complexa? Em que medida podemos concebê-la nesses termos? Não haveria nesse argumento da complexidade da política internacional da região uma contradição? É possível conceber a complexidade e o radicalismo político numa mesma análise?
A história está repleta de momentos políticos radicais. Na história recente, as ideologias fascistas, comunistas e anarquistas deram os contornos da Guerra Civil Espanhola e da II Guerra Mundial, por exemplo. Em ambos os conflitos, jamais foi possível uma aliança duradoura entre as partes. Todas as posições eram facilmente identificáveis e as possibilidades de alianças baseadas no comprometimento e na compreensão mútua eram impensáveis. Mesmo a aliança entre os Estados Unidos e a União Soviética para combater a Alemanha nazista jamais iludiu qualquer analista: tratava-se de um arranjo puramente pragmático que, uma vez eliminado o inimigo em comum, seria substituído pelo status quo ante.
A mesma dinâmica política pode ser identificada no Oriente Médio. Por isso, temos todos os motivos para sermos bastante pessimistas (pois realistas) a respeito do cenário inequívoco que se desenha após um provável ataque da coalizão contra o Estado Islâmico.
Parlamento da Alemanha aprova missão na Síria contra o Estado Islâmico
O objetivo da coalizão seria, então, a destruição do Estado Islâmico. Sabemos que isso não será possível sem o envio de tropas terrestres que combatam diretamente os islamitas. Admitindo que a derrota se concretize, o que viria a seguir? Como seria a retomada da vida política na Síria? Ninguém quer ocidentais ou russos comandando a política da Síria: nem Bashar al-Assad nem os inúmeros grupos rebeldes que o enfrentam. Dados os radicalismos, nenhum tipo de comprometimento poderia ser esperado para uma reconstrução pacífica e responsável do país. Com o país devastado, para onde os refugiados retornariam? Certamente, não seria para suas aldeias. Elas não existem mais. Os refugiados continuariam buscando novos lugares para recomeçar a vida - sendo a Europa o destino mais provável.
Quais seriam os custos do conflito para a coalizão? Sabemos que eles não estão em posição de manter um enfrentamento desse porte por muito tempo. A Guerra do Iraque custou aos americanos um trilhão de dólares, em uma década. Como ficará a política interna dos países da coalizão quando chegarem os caixões dos soldados e as contas das operações? A retirada das tropas do território sírio se imporia mais cedo do que tarde devido a custos políticos, humanos e econômicos.
Califado do Terror: um retrato do Estado Islâmico, grupo extremista que assusta o mundo
Mas enquanto em território sírio, qual seria o papel das forças da coalizão? Mais uma vez: ninguém quer tropas ocidentais ou russas em solo muçulmano. O ódio em relação ao Ocidente é muito expressivo e não há qualquer forma de esquecê-lo. Quem garantiria a segurança da população? As tropas da coalizão teriam que se comprometer com um serviço que ninguém quer que elas façam. A guerra de guerrilha continuaria, mas dessa vez contra os ocupantes estrangeiros. Guerra do Iraque reloaded.
Se, depois disso, Assad permanecer no poder, como se sentiriam os rebeldes? Muito provavelmente, novas alianças surgiriam entre tribos e clãs de uma mesma etnia. O poder político não admite vácuo. Onde antes o EI estabelecia ordem e segurança, novas lideranças deverão se formar. Com a Síria ainda destruída, o Iraque e o Líbano desestabilizados, o Iêmen em guerra civil e - não esqueçamos - com a possibilidade real de um Irã nuclear dentro de uma década, o futuro do Oriente Médio é realmente sombrio e sem a menor possibilidade de retomada da ordem. A ordem que um dia se verificou - mesmo que mantida por regimes ditatoriais financiados pelo Ocidente - não pode mais ser retomada. A invasão do Iraque pelos americanos em 2003 abriu a Caixa de Pandora da guerra radical e generalizada e não há qualquer possibilidade de fechá-la. Os radicalismos étnicos e religiosos na região e a disposição ocidental em resolver seus problemas políticos pelas vias da guerra garantem a simplicidade trágica do cenário que se desenha.