
O Estado Islâmico (EI) se tornou um elemento decisivo no conflito da Síria e do Iraque, por sua eficiência, violência e emprego de meios modernos. Sua logística, com veículos, sistemas de comunicação e armamentos de última geração, além de recursos financeiros abundantes, chama atenção. E, mesmo assim, as grandes potências se disseram "surpresas" com seu surgimento, apesar dos bilhões gastos em inteligência e dos sofisticados meios eletrônicos de que dispõem. Há perguntas que não querem calar: como surgiu o movimento? Quem o apoia logística e financeiramente? Por que realiza atentados na Europa, que acolhe refugiados, teoricamente vítimas de seu inimigo Assad? Quais são os seus objetivos reais?
O movimento surgiu há dois anos no Iraque e, depois, passou para a Síria, cujos governos eram aliados do Irã. O núcleo duro dos integrantes do EI veio da Europa, alguns dos EUA, e foram reforçados por grupos combatentes islâmicos que já lutavam na região. Monarquias petrolíferas do Golfo, como Arábia Saudita e Catar (aliadas do Ocidente), bem como a Turquia (membro da OTAN) estão entre os apoiadores do movimento. Isso seria possível sem a aquiescência euro-americana?
Todavia, se todos concordam que o EI constitui uma aberração e uma terrível ameaça, especialmente após os atentados de Paris, a leniência euro-americana em relação a ele parece inexplicável. Bem como o silêncio e a calma da Jordânia, nunca atacada. No passado, quando o Afeganistão se tornou estrategicamente irrelevante, o Ocidente também teve a mesma atitude com o Talibã. Mas a Síria e o Iraque, por seu petróleo e posição geopolítica, são um caso diferente. Inclusive porque o EI não é apenas um grupo terrorista, mas uma força militar capaz de travar uma guerra regular. Foi apenas a entrada da Rússia que alterou os dados do problema.
O discurso sobre a criação de um "Califado" na região e a implantação de um sunismo "puro" (arcaico) não convence. O que está em jogo é a eliminação de regimes indesejáveis e a fragmentação de Estados importantes, a serem transformados em republiquetas étnicas ou religiosas. O que está sendo destruído é a infraestrutura e, então, o petróleo, que poderia gerar desenvolvimento econômico quando gerido por Estados modernos, apenas passará por oleodutos cujo traçado será desenhado por potências muito distantes.
O EI talvez seja apenas um grupo de fanáticos e aventureiros manipulados por potências que desejam desfigurar a região e reorganizá-la a um custo limitado. O Oriente Médio surgido no fim da I Guerra Mundial está em vias de desaparecer, um século depois. O que não se sabe é se as potências emergentes, que lucrariam com o desenvolvimento da região, ficarão passivas. O EI pode ser tudo, menos arcaico. Ele representa um moderno instrumento de gerar uma nova ordem através do caos.
*Paulo Fagundes Visentini escreve mensalmente no caderno PrOA.
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