
Habituado a pegar um táxi para o trajeto de poucas quadras entre a casa e a escola, Diego, 13 anos, deixou a mãe aflita em uma manhã recente ao não telefonar ou enviar uma mensagem de texto, minutos depois de sair, para dizer que havia chegado em segurança. Márcia Cardoso, 43 anos, ligou para o colégio, e lhe pareceram infinitos os minutos de angústia, com a transferência de um ramal a outro, até obter a confirmação de que tudo estava bem. Como se atrasara e a aula já havia começado, o professor não permitiu a comunicação de Diego com a mãe.
- Eu estava tentando o celular, e ele não atendia. Não tem como não pensar em toda essa violência que estamos vivendo, em um maluco que pode pegar o seu filho, sequestrar, abusar - desabafa Márcia.
Longe de casa, adolescentes bebem brindando à ingenuidade adulta
A partir de amanhã, na retomada após as férias, pais e responsáveis pelos 2,6 mil alunos do Colégio Marista Rosário, em Porto Alegre, onde o menino cursa o 8º ano do Ensino Fundamental, poderão baixar um aplicativo gratuito para smartphones e tablets e receber uma notificação com o horário exato em que os estudantes passam pela catraca na portaria da instituição, no início e ao final dos turnos. Márcia exulta com a novidade e garante que fará o download no primeiro dia, evitando outros momentos de preocupação desnecessária:
- A mãe que liga não está incomodando. São os tempos de hoje. É por segurança. Ele também gostou.
O Marista Virtual também exibirá notas parciais e finais, avisos em tempo real (o cancelamento de uma saída de campo ou um mal-estar que leva o aluno para a enfermaria, por exemplo), agenda de atividades das turmas e notícias da instituição, além de permitir consultas financeiras. Durante a fase de testes, a função mais comentada foi a de monitoramento de entrada e saída - pais saudaram a possibilidade de ter acesso direto à informação relativa a atrasos e faltas, enquanto alguns adolescentes manifestaram desconforto pela eventual vigilância mais intensa.
- Vejo muito mais pela perspectiva de segurança do que de controle. É um dispositivo de aproximação entre a família e a escola. E quem precisa de um pouco mais de cuidado vai se beneficiar disso para entrar na linha. É um princípio educativo - afirma Camila Fabis, coordenadora pedagógica do Ensino Médio da escola.
Você concorda com o monitoramento à distância de alunos?
Outra entusiasta da ideia, Cristiane Back Ferreira, 39 anos, já caiu no golpe do falso sequestro. Mesmo tendo observado a filha, então com nove anos, ingressando no prédio, desesperou-se quando atendeu o celular, minutos depois, e ouviu o choro de uma criança. "Mãe, me ajuda, por favor", suplicou a voz que, nos primeiros instantes, a enganou. A orientadora educacional estacionou o carro e, assim que encerrou a conversa, acionou o colégio para se certificar.
- Como eu fui pessoalmente levá-la, tinha 80% de certeza de que ela estava lá. Mas sabe quando te dá um branco? - recorda Cristiane. - Às vezes, estou no trabalho e outras pessoas a trazem. Com certeza vou usar o aplicativo - prevê.
Pai de dois alunos do Rosário, o professor universitário Luiz Eduardo Achutti teme uma virtualização demasiada das relações no futuro. Exemplifica com o episódio hipotético de um aluno que tira uma nota baixa em uma prova e precisa pensar em uma justificativa para explicar o fracasso em casa. Uma das funções do aplicativo é entregar os dados de desempenho em avaliações sem intermediários.
- Não gosto disso. O contato direto tem mais humanidade - afirma Achutti. - Daqui a pouco, a cada "x" que meus filhos fizerem na prova eu já vou saber se estão errando ou não. Estou exagerando, mas não duvido que a coisa vá parar aí.
Psicólogas temem consequências de um monitoramento excessivo
Especialistas reconhecem a utilidade de um aplicativo como o Marista Virtual para reforçar a proteção em torno de crianças e adolescentes, mas dão um alerta: facilidades tecnológicas não podem substituir o contato sincero e a troca direta entre pais e filhos. Mônica Macedo, professora da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, não classifica a iniciativa da instituição como boa ou ruim. Para a psicanalista, o impacto no cotidiano das famílias, benéfico ou prejudicial, dependerá do uso a ser feito da ferramenta.
- Um eletrônico não supre o cuidado. O surpreendente não é que exista um dispositivo assim, mas sim se o que ele mostra é uma grande surpresa. É complicado se os pais percebem que o filho está tendo atrasos uma semana inteira só porque há um aplicativo mostrando isso. Esse mecanismo não pode ser a única maneira de tomar conhecimento sobre a vida do filho. Às vezes, os pais estão muito distantes da escola, e a escola se encarrega de responder por coisas que não lhe cabem. Esse pode ser um bom momento para refletir - propõe Mônica.
A psicóloga e terapeuta de casal e família Clarisse Mosmann ressalta a importância de os adultos acompanharem os filhos, mas salienta que é tênue o limite entre supervisão e intrusão, principalmente na adolescência. Uma rotina de supermonitoramento pode contaminar as relações e induzir os jovens a mentir para escapar do radar. A confiança recíproca deve embasar os acordos domésticos, permitindo o desenvolvimento da autonomia. Provar o sabor da independência, em avanços gradativos, é um treinamento imprescindível na preparação para a vida adulta.
- Vai chegar o momento em que os pais vão ter de deixar, os filhos vão ter de se virar. Cada filho é de uma maneira, tem uns mais responsáveis, e os pais conseguem ver que eles têm mais condições. Outros já são mais impulsivos e precisam de mais controle. Me preocupo com os adolescentes que não andam sozinhos nunca, que os pais estão sempre levando e buscando - comenta Clarisse, professora de psicologia da Unisinos.
Serviço pode ajudar a mudar alguns hábitos
Imerso na rotina desgastante de um aluno do último ano do Ensino Médio, às vésperas do vestibular, Otávio Almeida, 17 anos, ainda se divide entre os jogos de futsal e as atividades como vice-presidente do grêmio estudantil. Costuma dormir tarde e pouco, o que compromete o desempenho nas disciplinas, e tem dificuldade para ser pontual, acumulando muitas faltas.
Ao saber do lançamento do aplicativo pela escola, o pai, o administrador Afonso Almeida, vibrou, brincando:
- Agora você vai sofrer na minha mão.
Otávio mora perto do colégio e acredita ser útil um serviço capaz de notificar seus horários à família - uma eventual demora no retorno para casa poderá sinalizar que um imprevisto ocorreu. O estudante diz já ser bastante cobrado pelos atrasos para os primeiros períodos de aula, às 7h35min, geralmente os mais prejudicados pela lentidão para sair da cama, tomar banho, reunir livros, cadernos e partir.
- Obviamente, vai ter muito aluno reclamando, mas estou no 3º ano, tenho que ter a responsabilidade embutida. Me atraso porque já virou um costume, me perco no horário, sou totalmente desregrado - explica o adolescente. - A cobrança já era grande, mas agora o argumento do meu pai fica concreto. Em vez de acordar às 7h, vou acordar às 6h30min - planeja.
Ausente devido a viagens a trabalho no mês de junho, a engenheira química Márcia Maria Cunha Silva, 47 anos, foi avisada pela coordenação sobre a impontualidade do filho, Leonardo, 16 anos. Sem que a mãe soubesse, o aluno do 2º ano, nascido na Bahia e ainda não habituado de todo ao inverno gaúcho, foi espichando as sonecas a partir do toque do despertador, seduzido pelo calor das cobertas. Márcia parabeniza a direção pela iniciativa de implementar o aplicativo para verificação da assiduidade.
- Adolescentes precisam disso? Precisam até de mais. Eles não têm maturidade, precisam desse controle. E eu vou ter muito mais tranquilidade no dia a dia - avalia.
O APLICATIVO
O Marista Virtual será oferecido, inicialmente, apenas para pais e responsáveis pelos alunos de quatro dos 18 colégios da rede - Marista Rosário e Marista Champagnat, de Porto Alegre, Marista Pio XII, de Novo Hamburgo, e Marista João Paulo II, de Brasília.
-Uma das principais funções é a de notificar o horário de entrada e saída dos estudantes. Um aviso é enviado ao usuário do aplicativo assim que o aluno passa pela catraca da portaria. Esse recurso, por enquanto, está acessível apenas para o Marista Rosário.
-O app também permite consultas à área financeira (pagamento e negociação de mensalidades), notas parciais e finais das avaliações, agenda de atividades das turmas, comunicados entre pais e professores e notícias da instituição.
ESTIMULE A AUTONOMIA
É fundamental, sem descuidar da segurança, estimular o adolescente a se libertar. Avalie o grau de maturidade do seu filho ao longo das diferentes fases do desenvolvimento para saber que tipo de tarefa e responsabilidade ele consegue assumir.
-Cuidado para que o adolescente não esteja permanentemente sob rígido controle e monitoramento. Submetê-lo a um sistema de supervigilância pode provocar consequências na vida adulta, como dificuldades para conquistar a independência. É fundamental que ele experimente a sensação de conquistar autonomia.
-É diferente a condução da rotina de uma criança e de um adolescente. Em algum momento, o jovem terá de ser capaz de se locomover sozinho, a pé ou de ônibus, sem a companhia de um adulto.
- Avance por etapas. Demonstre confiança e observe se o seu filho dá um retorno positivo aos desafios. Se ele argumentar que os amigos já têm liberdade para ir a pé até o curso de inglês, por exemplo, avalie se você pode conceder essa mesma oportunidade, considerando as características do trajeto, o horário da aula, o meio de transporte a ser utilizado.
-Procure sempre conversar e expor as razões que embasam suas atitudes e decisões. A insegurança das ruas é um perigo real nos dias de hoje, e é essencial que ele tome cuidados e estabeleça comunicação com você ao longo do dia.
-Reflita sobre suas atitudes como pai ou mãe. Pode ser tênue o limite entre supervisão e intrusão.
-Faça combinações, como ligar ou mandar mensagem ao chegar ou sair de algum lugar, e cobre o cumprimento delas.
-Facilidades proporcionadas pela tecnologia (saber onde seu filho está ou a nota que tirou na prova por meio de um aplicativo de celular, por exemplo) não podem suprimir o diálogo. É importante que a rotina escolar sempre faça parte das conversas.
Fontes: Clarisse Mosmann, psicóloga, terapeuta de casal e família e professora da Faculdade da Psicologia da Unisinos, e Mônica Macedo, psicanalista e professora da Faculdade de Psicologia da PUCRS