
Eu decidi que eu vou ser um novo eu. De saída, anuncio que serei mais modesto. É preciso. Repare na primeira frase que escrevi aí em cima: três "eus". Muito personalismo. Chega de eu, eu, eu.
Verdade que seria pior se falasse como se fosse outra pessoa, hábito consagrado pelo Pelé: "O David Coimbra decidiu que o David Coimbra será um novo David Coimbra".
Seria muitíssimo pior se usasse a primeira pessoa do plural, como faz o Tite. "Nós decidimos que nós seremos novos nós".
Não, não. A modéstia me lembrará sempre da minha insignificância.
Foi justamente a modéstia que me fez decidir ser outra pessoa. Depois de tanto tempo, reconheci que muitos dos meus críticos têm razão e que preciso ser um David bem melhor. Há vários pontos com defeito, sobretudo o abdômen e os bíceps, mas aí um defeito ainda mais grave impede o conserto: a preguiça.
Então, não terei barriga de tanquinho nem bíceps de Maciste, mas serei uma pessoa extremamente calma.
Como acho bacana pessoas extremamente calmas. Já havia resolvido que seria uma delas, só que volta e meia ainda me irrito. Agora, não. Agora me tornarei, realmente, uma pessoa extremamente calma. Imperturbável, eu diria.
Ser imperturbável é dificílimo, porque as pessoas vivem tentando perturbar a gente, principalmente nas redes sociais. Todas aquelas opiniões. Os mais chatos são os defensores de Lula & PT e os defensores de Bolsonaro & ditadura.
Aliás, se você pertencer a um desses grupos, já sei o que dirá: "E os defensores do PSDB? E os defensores do PMDB? E os defensores do PP? Esses não são chatos também?".
Ocorre que ninguém defende o PSDB, o PMDB e o PP. Ninguém. Zero. Nem as mães deles.
Assim, tenho apenas que saber lidar com as turmas do Lula e do Bolsonaro. Vou agir com ambos da mesma forma: empregarei meu lendário poker face. Serei impossível de decifrar. Quase um mineral. No máximo, erguerei a sobrancelha esquerda, que é algo que faço muito bem. Eles não conseguirão ler nenhum sentimento na minha expressão. Um homem imperscrutável. Já estou vendo as pessoas comentando:
– Ele é um homem imperscrutável.
Resolvi, também, que nunca mais falarei mal de ninguém. Nem do Lula. Nem do Bolsonaro. Eles podem dizer todas as tolices que estão acostumados a dizer, podem se gabar, podem se exibir. Como vou reagir? Erguendo a sobrancelha esquerda.
Imperscrutável.
É feio falar mal das pessoas. Todo mundo tem seu lado bom. Até o Lula. Até o Bolsonaro. O Lula é um homem simpático, inteligente e bem-humorado. O Bolsonaro tem bom cabelo.
Melhor ater-se, portanto, a seus predicados.
Como dizia Jesus, o mal é o que sai da boca do homem. Quando você só vê o mal, é porque o mal está em você.
O meu novo eu só verá o bem. Que perfeição, esse meu novo eu. Merecerá apenas elogios.
Lá vai o novo David. Calmo. Modesto. Ponderado. Incrível como vê só o lado positivo dos demais seres humanos. Observe como levanta a sobrancelha esquerda. Ele faz isso muito bem. O que estará sentindo? O que estará pensando? Ninguém sabe. Ele é um homem imperscrutável.