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Você vai entender logo ali o que Marcelo Odebrecht tem a ver com Tite e a Seleção Brasileira. Na era do pensamento fragmentado e das teses de doutorado de três frases no Twitter, imagino que pedir paciência de alguns parágrafos pode ser antigo. Serei um dinossauro da livre associação de ideias, então. Segure as pontas.
É a palavra dele, Marcelo Odebrecht. Pode ser verdade em um ponto e mentira noutro. A sua credibilidade como engenheiro de propinodutos mundo afora não o credencia em quase nada. Mas o rastro medonho que ele ofereceu em seu depoimento à Justiça Eleitoral vai ao encontro do que sempre se cogitou à boca pequena em obras públicas, desde que as naus portuguesas aportaram em nosso litoral:
– A gente não queria entrar na Vila dos Atletas. Era um pepinaço! Não queria entrar na Copa. Não queria entrar em estádio. A gente só entrou na Arena Corinthians porque o governo tinha prometido financiamento para a realização da Copa; aí, depois, não dão. Eu era um mendigo, porque ia lá para pedir coisas, na verdade, que só entrei porque eles tinham prometido! Sem a Odebrecht não ia ter Copa, não ia ter Olimpíada. Não ia ter nada.
Só faltou dizer que não ia ter golpe. Marcelão é o herdeiro de um grupo que, não faz muito, orgulhava o Brasil por erguer pontes, estradas, metrôs e sei lá mais o que nos quanto cantos do planeta. Vale o mesmo para Eike Batista, o líder empresarial que ia torrar parte da fortuna para despoluir a Baía da Guanabara só por amor ao Rio. Havia admiração por ele, antes de a máscara cair. Hoje, Eike é o primeiro ex-top 10 da Forbes a ser preso desde o narcoterrorista Pablo Escobar, morto em 1993.
Na política, a Lava Jato é uma moedora de biografias. Como Lula e Aécio, só para ficar nos líderes dos dois extratos de pensamento que monopolizam os eleitores há mais de 20 anos. No futebol, graças ao FBI, a CBF entrou na rota da bandidagem. Tem um ex-presidente preso (José Maria Marin) e outro, o atual (Marco Polo Del Nero), que não viaja ao Exterior de medo de fazer companhia ao amigão. João Havelange, por muito tempo o mito que elevou o futebol a um patamar jamais sonhado, quatro anos antes de morrer viveu a humilhação de renunciar à presidência de honra da Fifa para escapar de pena por corrupção.
Em quem acreditar? Em quem confiar? É aí que entra Tite.
No Brasil em que todos parecem se amontoar na vala comum da corrupção, a carência de líderes para a longa travessia é monumental. No Executivo e no Congresso, ninguém. Na iniciativa privada, idem. Há muitos empresários íntegros, mas aqui falo de lideranças nacionais de interlocução direta com a sociedade. No Judiciário, há Sérgio Moro e o vazio que ficou com a morte de Teori Zavaschi. Quantos mais, conhecidos do Oiapoque ao Chuí?
A grande contribuição de Tite é menos a classificação para a Copa e mais como ela se deu: com merecimento. Nas sete vitórias em sete jogos, 21 gols pró e dois contra, a Seleção foi melhor do que seus adversários. Sempre. Não teve erros de arbitragem a favor. Não houve acaso. Tite criou um modelo de jogo, posse de bola e pressão, definiu um sistema tático e tocou o barco. Antes do quatrilho no Uruguai, disse que desejava sucesso ao melhor.
Parece chavão, mas esta, precisamente, é a mensagem. Resultado sim, mas não a qualquer preço. Tem de ser com justiça.Tite é o cara que rasgou dinheiro ao pedir demissão do Al Ain, dos Emirados, quando um xeque desceu ao vestiário para exigir a escalação de um jogador. Ninguém ficaria sabendo. Os petrodólares pingariam na conta, mas ele largou.
É normal vê-lo gritando, na hora da marcação: “Sem falta! Sem falta!”. Assinou o abaixo assinado contra a CBF apesar do risco de ser esquecido para o cargo. Os cartolas vieram de pires na mão até ele, morrendo de medo de não ir à Rússia. Precisamos de mais Tites em Brasília. E no lugar dos médicos que negociam cesarianas. E dos cidadãos que furtam mercadoria do caminhão capotado na estrada. E dos donos de frigoríficos que adulteram a carne. Precisamos de alguém para acreditar pelo que faz, e não só pelo que diz.
Precisamos de mais Tites.