* Jornalista e escritor
A quadrilha é insuperável e participar dela foi sempre uma festança. Sim, pois a quadrilha reparte alegria e esbanja tanto que os milhõe$ só podem não vir dela mesma. Coisas assim só nascem aqui e sobrevivem ricas e coloridas, mas fingindo-se de pobres, com chapéu de palha, calça remendada e vestidinho de chita.
Democrática, a quadrilha não discrimina rico ou pobre, obeso ou macérrimo, alto de baixinho, menos ainda loura de morena. Só exige a astúcia de saber disfarçar, ocultando a esperteza. Nela, todos são iguais, mesmo com passos diferentes na dança.
Claro, na hora de repartir, segue-se a tradição e quem parte e reparte, leva a melhor parte. Quem estiver lá em cima, em palácios ou blindados em aço, se errar algum passo, diz "eu não sabia" que o erro estava errado ou pede "uma perícia" na fita em que gravaram o baile.
E aí veremos se o chiado vem da fita ou do arrasta-pés, mas o baile existiu.
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Viva a quadrilha, portanto, neste 24 de junho, noite de São João! Sim, "noite" (não "dia"), pois a escuridão é que guia as quadrilhas. Sem fogueiras, quão escura seria a noite!
As nossas no Rio Grande não têm a exuberância das do norte e nordeste ou do Rio, Minas e São Paulo. Lá, gente da Petrobras, da Eletrobrás e dos governos estaduais (como o de Sérgio Cabral, no Rio) brilham, até, nos bancos suíços com dinheiros adventícios. As daqui não brilham como lá, mas piam como sabiá.
A última grandiosa, intocável e nunca superada, a da CEEE, nasceu em 1986 no governo Pedro Simon, do PMDB, e está oculta, entocada nas gavetas da 2ª Vara da Fazenda Pública como raposa no frio. Só em assaltos a chapéu de palha e vestido de chita, levou (de todos nós) quase R$ 1 bilhão em valores atuais.
Mas fingimos que nunca existiu e preferimos outras folias.
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O governador Sartori e o secretário de Segurança César Schirmer, por exemplo, preferiram permitir na semana passada uma nauseabunda folia. Na calada da noite fria, a Brigada desalojou com extrema violência dezenas de famílias sem teto que ocupavam, há anos, um prédio do Estado no centro da Capital.
Antes, nenhum governo (nem o atual) viu nisso um problema, permitindo que a invasão promíscua se tornasse lar-abrigo de famílias cheias de crianças. Algumas nasceram lá e, quase nuas, foram expulsas com uma sanha que a Brigada não usa sequer contra o criminoso narcotráfico.
Isto é o que espanta! Para casos assim (de fato, mais fáceis) o governo tem planos e normas que executa com fúria. O narcotráfico, porém, comanda o crime há anos e, nos últimos 16 meses, adotou a barbárie – já esquarteja e degola – e continua a ser encarado como simples transgressão à lei.
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No governo anterior, do PT, chegamos à perigosa estupidez de que um policial, assessor e íntimo do secretário de Segurança, era – ao mesmo tempo – chefe da segurança de Xandi, chefão do narcotráfico, assassinado por bando rival.
Que poder oculto tem o crime, para se instalar, até, na alta cúpula da gestão de alguém probo, como Tarso Genro?
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Conheci pessoalmente o governador Sartori há pouco, em reunião-almoço da Associação Cristã de Dirigentes de Empresa (ADCE), e sua fala mansa, simples mas ordenada, fez transparecer alguém sensato.
Mas nas ações surge o oposto, como se governar fosse estraçalhar o que signifique desenvolver o Estado. Como se o futuro não existisse, quer passar adiante a CEEE (dínamo do nosso desenvolvimento) e extinguir todos os órgãos de pesquisa da área econômica e científico-tecnológica, além da TVE. E, como não temos rios nem lagos, extinguir o órgão de portos e hidrovias…
Governar seria, assim, carimbar papéis e manter o policiamento, pois até as escolas (antes nosso orgulho) passaram a segundo plano.
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P.S. - Se Temer não voltasse neste sábado da Rússia e Noruega, se arriscaria a ser recebido no aeroporto pela Polícia Federal.
Viva a quadrilha de São João!
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