
Com a aprovação na quarta-feira à noite pelo Congresso da Colômbia do acordo de paz entre o governo e as Farc, renegociado após o fracasso do acordo original em um plebiscito, o país enfrenta agora o desafio de implementar o pacto.
O Congresso, onde o governo de Juan Manuel Santos deve apresentar o projeto de lei de anistia dos guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), será mais uma vez o cenário chave da fase de implementação.
O acordo de paz, estabelecido entre as partes há uma semana depois de incluir propostas da oposição ao pacto original, que foi rejeitado em um plebiscito (de voto facultativo, com o comparecimento de um terço do eleitorado e sob intensa campanha dos opositores ao pacto) em 2 de outubro, foi aprovado em definitivo na quarta-feira à noite pelo Congresso. A maioria do governo no Senado e na Câmara votou, na terça e quarta-feira, respectivamente, a favor de referendar o acordo que pretende acabar com um conflito armado de mais de meio século.
"Gratidão ao Congresso pelo histórico respaldo à esperança de paz dos colombianos", escreveu no Twitter o presidente Santos, vencedor do Nobel da Paz neste ano por seus esforços para acabar com a guerra interna.
A oposição, liderada pelo ex-presidente e atual senador Álvaro Uribe, optou por não participar nas votações, pois considera que o Congresso "não pode suplantar" a decisão tomada nas urnas pelos colombianos. Os uribistas rejeitaram também o pacto em geral, porque acreditam que permite a "impunidade total" e dá elegibilidade política a guerrilheiros culpados de crimes atrozes antes que cumpram suas penas.
Surgidas de um levante camponês em 1964 e com 5.765 combatentes atualmente, as Farc são a guerrilha mais antiga da América Latina.
Esta é a quarta vez que se tenta um processo de paz com o governo colombiano, após os fracassos em diálogos com os presidentes Belisario Betancur (1982-1986), César Gaviria (1990-1994) e Andrés Pastrana (1998-2002).
A decisão do governo e das Farc de referendar o acordo renegociado no Congresso tem relação, conforme as partes, com a fragilidade do cessar-fogo bilateral em vigor desde o fim de agosto. A urgência para referendar o pacto revisado buscava superar a incerteza provocada pelo limbo em que entrou o processo de paz após o plebiscito, em especial depois que o cessar-fogo foi perturbado pela morte de dois guerrilheiros das Farc há algumas semanas em supostos combates com o exército e, mais recentemente, por uma série de homicídios e atentados contra líderes sociais no sul e oeste do país.
Os analistas destacam os desafios do acordo, não apenas na área política. Citam o contexto difícil para a segurança política do acordo e também para a implementação em si, em termos da capacidade do Estado.
O conflito armado colombiano, do qual também participam outras guerrilhas, grupos paramilitares e agentes estatais, já deixou ao menos 260 mil mortos, 60 mil desaparecidos e 6,9 milhões de deslocados em mais de meio século.
Passo a passo...
O Congresso da Colômbia aprovou por maioria em suas duas casas o novo acordo de paz entre o governo e as Farc.
O novo texto está completamente referendado e o próximo passo é o governo apresentar aos parlamentares os projetos que permitirão a sua implementação, começando pela lei de anistia aos guerrilheiros.
Em cinco dias, começa o transporte de todos os membros das Farc para as "zonas de transição", disse o presidente Juan Manuel Santos.
Nessas zonas de transição os guerrilheiros entregarão de forma progressiva suas armas, sob a supervisão das Nações Unidas.
No Senado, o texto foi aprovado na madrugada desta quarta, por unanimidade e aos gritos de "viva a paz" (após a oposição liderada pelo ex-presidente e agora senador Álvaro Uribe se retirar do plenário em sinal de reprovação ao pacto).
Na Câmara, a proposta também foi aprovada por unanimidade (sem o voto dos opositores, que repetiram a retirada em massa).
O tratado inclui algumas modificações exigidas pela oposição após o acordo original ter sido rejeitado no plebiscito de outubro.
O pacto prevê que os guerrilheiros deponham as armas em até seis meses.
O governo não pretende levar o texto a novo referendo, temendo nova rejeição.
O documento original foi rejeitado em 2 de outubro, com o "não" derrotando o "sim" por pouco menos de 60 mil votos.
Liderada pelo ex-presidente Álvaro Uribe, a oposição reconhece que algumas exigências foram aceitas pelo governo, mas dizem que ficaram de fora do novo pacto as suas principais reivindicações.
Entre os pontos considerados essenciais pela oposição que não entraram no novo texto, estão o impedimento da elegibilidade política dos ex-guerrilheiros, que permaneceu quase intacta, e a exigência para que os condenados cumpraem as penas em algum tipo de prisão ou ao menos em colônias agrícolas.
Outras divergências que seguiram no texto foram sobre como enquadrar o crime do narcotráfico. O governo e as Farc consideram que os casos podem ser tratados caso a caso, enquanto os defensores do "não" queriam que esse crime fosse não anistiável.
Durante o período em que renegociavam com o governo, as Farc aceitaram algumas das sugestões propostas pelo grupo do "não" em relação à Justiça, colocando limites na atuação dos tribunais especiais e sobre oferecer um completo inventário de seus bens.
A guerrilha disse não abrir mão do lado político (da possibilidade de concorrer a eleições). Reafirmou não querer que seus integrantes vão para a cadeia.
Houve manifestações durante o dia em frente ao prédio do Congresso, em Bogotá, tanto de apoiadores como de opositores do acordo de paz.
O governo colombiano já prepara "um primeiro pacote de indultos" para os membros das Farc, após a ratificação no Congresso.
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O governo da Colômbia informou, ainda, que as conversas com o Exército de Libertação Nacional (ELN) para definir a data de início dos diálogos de paz serão retomadas em 10 de janeiro. "Depois de um pedido do ELN de ir para consultas internas, que foi aceita pelo governo, determinou-se que as conversas para concretizar de maneira definitiva a data de instalação da mesa pública serão retomadas em 10 de janeiro de 2017", anunciou a delegação de paz do governo com essa guerrilha, em um comunicado. O governo de Juan Manuel Santos e o ELN, segundo grupo rebelde de Colômbia, lançariam em 27 de outubro em Quito a fase pública das conversas de paz, iniciadas há quase três anos de maneira confidencial. Essa etapa está em suspenso, condicionada à liberação do ex-congressista Odín Sánchez, em poder dos rebeldes desde abril, e à exigência do ELN de que o governo indulte dois guerrilheiros. "O governo espera que, durante essas semanas, o ELN não apenas realize as consultas solicitadas, como que se produza no menor tempo possível a libertação do sr. Odín Sánchez para que esteja ao lado de sua família", acrescenta a nota. A delegação do governo assegura ainda que os indultos exigidos pela guerrilha "devem cumprir estritamente as condições dispostas pela lei em vigor". Na semana passada, o ELN advertiu que o aumento das operações militares no departamento do Chocó (noroeste da Colômbia) põe em risco a vida do ex-congressista, assim como o início das negociações.