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Opinião

Vacilão

Colunista comenta significado da palavra tatuada na testa de um rapaz

Entre as muitas imagens recentes da vida brasileira, duas não me saíram da cabeça desde que as vi. Uma é o Gilmar Mendes, essa figura abominável que, dizem juristas de nome e conteúdo, envilece o Judiciário nacional.

Com aquele olhar que ele deve entender como significativo, em pausas dramáticas para embasbacar sei lá quem, ainda o vejo atacando os justos e celebrando os venais. Não sei como deixar de pensar que a bandidagem cotidiana vê a mesma imagem que o senhor e eu, só que age, lá à sua reprovável maneira, ao contrário de nós aqui, que ficamos sem ação.

A outra imagem é mais explícita em sua crueldade: a inconcebível tatuagem feita na testa de um rapaz, por um tatuador inescrupuloso a mando de um, depois se soube, ladrão comprovado – enquanto o rapaz parece que nem ladrão foi. "Eu sou ladrão e vacilão", ficou marcado na testa do rapaz.

O primeiro choque é a simples coisa, em si: alguém marcando a testa de alguém para sempre. O segundo é que a frase ali gravada não tem a forma de uma acusação, mas de uma confissão: a testa diz "Eu sou". A terceira, que demorei mais para perceber é a sequência dos predicados – ladrão e vacilão.

Ladrão, mais ou menos todo mundo sabe o que é ("mais ou menos" porque o senhor Mendes não será qualificado assim, em regra, mas ele rouba algo muito importante e muito sutil de todos nós, a confiança nas instituições). Vacilão não é tão claro assim, mas se compreende: o cara vacilou, quer dizer, não foi perfeitamente consequente com seus atos, não levou a cabo o que se dispôs a fazer.

Em suma – aqui o meu terceiro choque –, os que impetraram aquele horror o acusaram de ser ladrão incompetente, porque se deixou pegar."Feio não é roubar, mas roubar e não conseguir levar", diz uma frase-feita brasileira. O tatuador inescrupuloso e seu mandante ladrão não condenaram o possível ladrãozinho, e sim o vacilão, que, tivesse sido bem sucedido lá na conta deles dois, poderia ser não tatuado, mas admitido como sócio.

Possível legenda para uma fotografia de nosso tempo: "Quem não vacilou virou sócio".

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