Na sexta edição do Fórum Respostas Capitais, a coluna recebeu Ricardo Felizzola, presidente do Grupo Parit – Altus, Teikon e HT Micron. O gaúcho que começou seus negócios no laboratório da UFRGS se tornou referência nacional de inovação. Uma de suas empresas, a Altus, disputa mercado com gigantes internacionais, e em conjunto, Teikon e HT Micron estão no segmento do silício, equipando computadores com cérebros em forma de circuitos integrados. Felizzola diz que sua "ignorância" inicial o ajudou a avançar e que o ambiente de negócios do Brasil não é propício para "raios" de inovação.
Como você se tornou empresário?
Uma das coisas que me levaram à frente foi minha ignorância. Ser ignorante é uma coisa boa em determinados momentos. Quando você é jovem, ignora riscos. Meu pai era funcionário público. Virei empresário de uma forma autodidata, sem base em conceitos econômicos. Estudei Engenharia Eletrônica e fiz mestrado em Ciências da Computação. Na época, os computadores eram gigantes. Com o conhecimento eletrônico, sei o que há dentro das caixinhas que levamos no bolso hoje. Percebi toda a evolução como técnico. No início de todos os negócios que tenho, os mercados não existem. Além de fazer empresas, tenho que construir mercados. Como empresário, vejo que há negócios mais fáceis de fazer.
A inovação contínua é uma característica sua ou foi aprendizado?
Há muita confusão sobre o conceito de inovação. A inovação é um evento econômico, que acontece de forma impressionante e desperta o interesses de mercados em curto espaço de tempo. Temos de criar ambientes que promovam isso. O WhatsApp, que tem menos de cinco anos, é uma verdadeira inovação, de muita tecnologia. O Steve Jobs enxergava rapidamente as possibilidades de virar o jogo. A capacidade de alguém observar algo, aplicá-lo em mercados e ter sucesso explosivo é o verdadeiro vínculo com a inovação, e não o fato de a pessoa trabalhar com tecnologia. Sou uma pessoa empreendedora, não necessariamente inovadora. Falo isso porque o ambiente econômico brasileiro não favorece a inovação. Falo de inovação como uma força. Em uma tempestade, há raios. Para ter raios, são necessárias condições do ambiente. Mas o Brasil é um sol, um céu azul. É difícil ter um raio no Brasil (risos).
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Seu pedido de mais apoio à inovação e à tecnologia ao presidente Michel Temer, feito em encontro recente, teve receptividade?
A Confederação Nacional das Indústrias (CNI) criou um espaço a Mobilização Empresarial para Inovação (MEI). O movimento tem sete anos. Há quatro reuniões por ano, com cerca de 80 CEOs da indústria. Participo desde o início. Nos primeiros três anos, falava-se do conceito de inovação, mas as conversas evoluíam para P&D (pesquisa e desenvolvimento) e tecnologia. Comparando com um jogo de tênis, falávamos de raquete, bola e rede, mas não do jogo. Isso começou a mudar muito nos últimos três anos. O ex-ministro Delfim Netto disse que um fator-chave para a inovação em um país é a quantidade de investimentos e como é financiada. É necessário um ambiente que prestigie as startups, o que será diferente e, de repente, mudará a sociedade. Os conceitos agora começam a evoluir. O grande ponto da inovação não é o Ensino Superior e o doutorado, é a educação básica. Para melhorarmos a inovação, são necessários índices na educação fundamental completamente diferentes dos atuais. É como no futebol. Com ensino de base, os craques aparecem.
Qual a sua projeção para o futuro próximo da economia?
A crise foi muito dura para a indústria. Todos os setores tiveram de se refazer para continuar vivos. As empresas estão com menos ou muito menos funcionários. É uma situação grave, que desemboca no desemprego e em outros problemas. No setor eletroeletrônico, a curva foi parecida com restante da indústria. Se projetássemos 2016 há três anos, estamos fazendo 40% ou 50%. As tecnologias mudaram rapidamente. Não previmos, por exemplo, que o smartphone fosse ocupar o espaço de notebooks e computadores. Também houve baixa por causa da menor renda. Então, toda essa indústria teve que ser dimensionada para a metade da produção. Fizemos um investimento em 2014 em uma fábrica. Na decolagem, fechou o tempo. De junho para cá, percebemos coisas interessantes. Com as empresas eletroeletrônicas redimensionadas, o mês que vem será melhor. Existe um viés de recuperação importante.
Pergunta de Ambrosio Pesce
Qual o papel das entidades empresariais no Rio Grande do Sul?
Sou vice-presidente da Fiergs. Procurei, principalmente após os 30 anos, ficar perto de vários temas em que as pessoas se unem e discutem, para criar um acordo. No Rio Grande do Sul, há certa dificuldade. Não sei se é o DNA do gaúcho. É um mistério. Temos várias iniciativas excelentes que dão certo lá fora. Sou parceiro de iniciativas que juntam empresários para discussão. Mas é aquela história: é preciso muito trabalho, é necessária muita insistência. Temos de insistir mais. Em São Paulo, por exemplo, as eleições coroaram João Doria, que insistiu muito. Ele foi muito tenaz. No Rio Grande do Sul, há exemplos de pessoas que insistem muito, fizeram muitas coisas boas, mas são criticadas. As entidades aqui no RS são um meio. Qualquer empresa é um meio. Quando o meio é mais importante do que a pessoa, pode atrair a pessoa inadequada. Não sei se somos positivistas em excesso. É preciso equilibro. Quem funda as empresas são as pessoas.
Qual o papel do empresário na política?
Todo sistema político de um país define o poder, a vontade das comunidades. O que aprendi é que há dois lugares: dentro ou fora do poder. A cultura do capitalismo e do empreendedorismo nunca esteve no poder. É claro que vamos para perto do poder, influenciamos. Mas na hora H, há decepções. Nos Estados Unidos, um exemplo de país líder, a Constituição foi escrita para permitir o desenvolvimento. É preciso entender o conceito de como uma nação se desenvolve e não aceitar certos absurdos. No Brasil, o salário do funcionário público nos últimos 15 anos subiu acima do rendimento médio de quem trabalha na iniciativa privada. Nem todo empresário tem capacidade política, mas é preciso formar talentos. Os sindicalistas de São Paulo tomaram o poder. Fizeram um plano, criaram um partido e chegaram lá. Fizeram o fizeram dentro daquilo que podiam fazer, da forma que pensaram o assunto. Os trabalhadores criaram o PT e se elegeram. O pessoal da outra banda, que temos outro tipo de pensamento, não temos essa capacidade? Temos oportunidade de fazer isso, mas é complexo. Articulação política leva tempo. É preciso paciência.
Como ocorreu a evolução de seus negócios?
A primeira empresa foi a Altus, voltada para o setor industrial. Desenvolve equipamentos para controle de processos. Pode ser uma máquina ou algo mais complexo, como uma planta geradora de energia elétrica ou uma plataforma de petróleo. A Altus cria projetos de automação industrial, e a Petrobras se tornou um dos principais clientes nossos. Já entregamos equipamentos para três plataformas do pré-sal. O controle é feito por nossos engenheiros. Somos a última empresa nacional que ainda concorre com estrangeiras.
Na Altus, surgiu uma companhia chamada Teikon, manufatureira de eletrônicos. Em 2009, surgiu a oportunidade para atuarmos com semicondutores. Havia um movimento, no Brasil, para desenvolver esse tipo de indústria, que é fenômeno na Ásia. Toda a engenharia eletrônica parte de um componente chamado circuito integrado. Essa integração é feita por semicondutores, porque o silício, na tabela periódica, não é condutor nem isolante. O silício é fundamental porque é possível implementar esses circuitos eletrônicos. Nos últimos 20 anos, chegamos ao chamado circuito integrado. Essa indústria hoje é a base de toda a inovação no mundo.
Nossa última empresa, a HT Micron, foi fundada para fabricar parte dos circuitos integrados, utilizando semicondutores. Se você abrir um notebook, por exemplo, poderá encontrar, na parte de memória, o cartão da Teikon e o chip da HT Micron. A Teikon parou de fazer serviços e passou a fazer memória. Em resumo, vendemos a memória de computadores brasileiros.
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Pergunta de Marcelo Rech, diretor editorial do Grupo RBS
Qual deverá ser a vocação de Porto Alegre em quatro ou cinco anos? E a do Estado?
Porto Alegre e Estado têm situações diferentes. A Capital, por exemplo, não aproveita o Guaíba. Gente até de fora do país pergunta o que fazemos com o Guaíba, e respondo que jogamos detritos nas águas. Porto Alegre também poderia explorar mais sua cultura. Gramado, por exemplo, foi ao extremo do que pode fazer do ponto de vista turístico. A cultura gaúcha é bonita. Até existem restaurantes que exploram essa ideia, mas tem de organizar. Não é um problema do setor público, do prefeito. É dos empresários. O poder público tem de dar liberdade. O Rio Grande do Sul tem o agronegócio como vocação. Isso gera indústrias, como mostra a Expointer. Mas tem resolver os problemas de infraestrutura, especialmente de estradas.
Há empresas estrangeiras que elogiam o cenário de inovação do Estado. Somos muito severos na nossa avaliação?
Um dos pontos fortes do Estado é que temos gente. Formamos profissionais e cuidamos dos parques de tecnologia. O setor privado do Estado se defende e gera valor. Exportamos muita gente boa. Com a crise, muitos vão embora. Mas, mesmo com dificuldades, conseguimos fazer muito. Temos que ser otimistas e exigentes com o setor privado.