
Existe uma área cinzenta entre o ocaso do BRock, no final dos anos 1980, e a ascensão da chamada Turma de 94. Um período de transição da música pop brasileira, povoado por bandas de nomes estranhos, que cantavam em inglês, tocavam em qualquer buraco e se inspiravam no que havia de mais barulhento no rock alternativo gringo. Tentar desencavar esse elo perdido é o objetivo do documentário Time will burn, que terá sessão única de lançamento nesta quarta-feira em Porto Alegre.
O filme nasceu da inquietação de Marko Panayotis (ex-diretor de programas da MTV) com a falta de um documento formal sobre a época. Depois de ver uma série de documentários estrangeiros sobre o mesmo período, veio o estalo.
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– Um desses filmes se chama Hype, sobre o fenômeno do grunge nos EUA. Depois de assisti-lo, percebi que o Brasil também teve uma cena musical semelhante e que foi pouco registrada. Daí veio a ideia contar as histórias dessas bandas brasileiras do começo dos anos 1990, que poderia cair no esquecimento – comenta.
Em Time will burn, músicos (como Japinha, do CPM22, e Edu K, do DeFalla), jornalistas (entre eles Fábio Massari e Gastão Moreira, ex-MTV) e personagens centrais (como Rodrigo Lariu, do fundamental selo Midsummer Madness) alternam depoimentos que ajudam a entender como essa cena surgiu e se manteve ativa praticamente restrita ao underground, alheia a qualquer movimentação da indústria fonográfica.
– Eram garotos dos anos 1990, se jogando na vida como se não houvesse amanhã, seja gritando em cima de um palco ou pogando no show em algum buraco qualquer – explica Otavio Sousa, codiretor do filme. – Existia uma enorme urgência em ser diferente, ser alternativo. Foi um grande foda-se, uma negação declarada para o tipo de música que se ouvia na época.
Essa falta de compromisso acabou sendo um problema para a produção do filme. Como ninguém estava muito interessado em construir uma carreira ou coisa que o valha, encontrar documentação audiovisual não foi fácil. Parte do material viria da MTV, mas o processo travou com a venda da emissora. O jeito foi partir para o corpo a corpo com as bandas, pedindo que fuçassem em seus baús.O que veio a seguir dá uma ideia do quão importante é o projeto.
– Quando soltamos o trailer no começo do ano, choveu material de arquivo até a semana do lançamento. Além de ter sido uma salvação, para a gente foi um ótimo termômetro em relação à expectativa da galera sobre o filme – conta Otavio. – Em cada cidade que o filme é exibido, chega alguém com mais imagens e histórias pessoais daquela época.
Time will burn terá sessão nesta quarta-feira na Sala P.F. Gastal, às 19h30min, seguido de debate com Gustavo Mini (da Walverdes) e Daniel Villaverde (Ornitorrincos e Punch Drunk Discos). A entrada é franca.
Lançamentos:
RESPIREI O POEMA CUSPI
De Musa Híbrida
Poucas bandas possuem um nome tão apropriado quanto a Musa Híbrida. Em seu terceiro trabalho, um EP que sucede os álbuns Musa Híbrida (2012) e Verde fosco roxo cinza (2014), a banda continua inspirando pela mistura sem pudores de sonoridades. É eletrônico, experimental, mas também é MPB, e por outro lado ainda pode ser pop, e não seria errado catalogar como rock. Importante, mesmo, é a mensagem de liberdade, enfrentamento e poesia que Cuqui, Alércio e Vini Albernaz continuam a enviar. Manga rosa celebra com acidez, como eles mesmos cantam, "a porra toda em comunhão" – diferentemente da psicodélica Gris, uma história de amor delicada e frugal. Melhor faixa deo EP, O convencido é uma ode ao feminismo e um recado para quem ainda não entendeu os tempos atuais: "O mundo que cê criou não me contém/ a imagem que cê criou de mim não me contempla".
Pop, quatro faixas, Escápula Records, disponível para audição nos serviços de streaming
LAPSO
De Trem Fantasma
Disco de estreia que já começa a figurar nas listas de melhores do ano não é para qualquer um. Mas é para a Trem Fantasma, quarteto de Curitiba que debuta pelo selo gaúcho Selo 180 com produção do Cachorro Grande Beto Bruno. Lapso é uma reunião de temas conectados com a psicodelia sessentista, mas nada a ver com flower power – o lance é uma lisergia mais obscura, perigosa, até. O flerte, de cara, é com o Pink Floyd de Syd Barret, de guitarras tão distorcidas que parecem outro animal, de vocais ecoando em espiral, de atmosferas embebidas em éter e trechos de poemas de Paulo Leminski (em O silêncio e o estrondo e Lua alta). Tente não se emocionar com o baixo delirante de Sem rumo ou segurar os ombros na fantasmagórica Dublinense. Leonardo Montenegro, Marcos Dank, Rayman Juk e Yuri Vasselai são os nomes. Guarde-os bem. Eles ficarão entre nós por muito tempo.
Rock, nove faixas, Selo 180, disponível para audição nos serviços de streaming