
O recorte mais estapafúrdio desse episódio envolvendo a exposição Queermuseu está no terceiro parágrafo da nota divulgada pelo Santander Cultural para justificar o cancelamento da mostra: "Quando a arte não é capaz de gerar inclusão e reflexão positiva, perde seu propósito maior, que é elevar a condição humana".
Que besteira.
E que tragédia se abate sobre nós quando uma instituição tão fundamental na promoção da arte expressa uma visão tão estreita e tacanha. Quando Chico Buarque, há poucas semanas, foi massacrado por supostamente promover o machismo em sua nova música, escrevi um texto no mesmo tom que repito agora: a arte não tem que "elevar a condição humana" nem "gerar reflexão positiva", não tem que exaltar o belo, não tem que acompanhar seu tempo, não tem que ter regra, não tem que dizer o que os outros querem que ela diga.
A arte é o que artista quiser que ela seja.
E acabou.
Pode-se criticar, detestar, falar mal, questionar – eu mesmo achei de péssimo gosto algumas das 270 obras da Queermuseu –, mas vetar o exercício da arte é tirania, é despotismo, é censura. E como é desanimador perceber que essa histeria autoritária parte de todo lado, todas as crenças, todas as ideologias.
Se no lugar de uma cabra, na tela acusada de "promover a zoofilia", houvesse uma frágil mulher sendo violada por duas pessoas, não seria o MBL quem estaria berrando contra a exposição. Seria a mesma esquerda que insultou o "machista" Chico Buarque e que fez a banda gaúcha Apanhador Só remover a expressão "pau no cu" de uma música porque o termo seria homofóbico.
É muito fácil encontrar motivos nobres para ser autoritário. Para uns, o motivo nobre é defender os símbolos cristãos e os bons costumes; para outros, é defender a igualdade de gênero e a emancipação das minorias. Todas as ditaduras em toda a história da humanidade sempre recorreram a motivos nobres para suprimir direitos – e para calar artistas.
Por isso, a liberdade de expressão só é testada quando quem eu odeio pode falar. Deixar falar apenas quem "gera reflexão positiva" e se propõe a "elevar a condição humana", ora, isso qualquer Stalin faz.