Considero pré-requisito para um jornalista a capacidade de se desprover de preconceitos antes de encarar a apuração de uma reportagem. Por princípio de caráter e dever profissional, me considero aberto ao novo, sem críticas a priori ao diferente. Nos sete dias em que trabalhei na França, durante a cobertura dos atentados do dia 13, como enviado especial de ZH, fui surpreendido por duas reações do meu cérebro que me jogaram de encontro aos meus próprios monstros.
Episódio 1: domingo, menos de 48 horas após os ataques. Estou no metrô, entre a Place de la République e o hotel, em Paris. Carrego vídeos e fotos gravados nos locais dos atentados. Entra um casal de muçulmano no vagão em que estou. A mulher veste o chador, um dos tipos de vestimenta islâmica que não foi proibido na França. Cobre o corpo e parte da cabeça, mas deixa o rosto à mostra. O homem para atrás da jovem. Os dois ao meu lado. Os passageiros olham estranho. O que garante que não serão terroristas? Tenho certeza de que essa pergunta passou pela cabeça da maioria dos que estavam ali.
Episódio 2: quarta-feira, operação de caçada aos terroristas, em Saint-Denis, arredores da capital francesa. Ao lado de mais de 80 jornalistas, acompanhávamos a ação a 500 metros do apartamento onde os extremistas estavam cercados. Um estampido. Uma explosão. Flashes, takes ao vivo. Moradores da área, a maioria formada por muçulmanos, abrem as janelas e observam a movimentação da imprensa. O que garante que, por trás das cortinas, não estariam planejando abrir fogo contra nós, jornalistas? Não foi assim em Charlie Hebdo, 10 meses atrás?
A morte é filha do terrorismo. Mas o preconceito é seu primo-irmão. A maior vitória dos extremistas da França não foi ter matado 130 pessoas na Sexta-feira 13. Foi semear, no metrô, nas ruas e bulevares e, nos maravilhosos cafés, a desconfiança. Plantaram a semente do preconceito em nossas mentes. Não queria ter pensado o que pensei no metrô. E lutei com todas as minhas forças para não imaginar o que imaginei em Saint-Denis. Na batalha contra meus monstros, espero não ter sido derrotado. Não sei. Tive medo de sentir medo.