Um dia depois de o Supremo Tribunal Federal decidir que ele pode continuar na presidência do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) fez por merecer o apoio que recebeu do Palácio do Planalto: realizou três sessões no mesmo dia para contar tempo e deixar a PEC do teto dos gastos em condições de ser votada em segundo turno na próxima terça-feira. A votação da emenda até o final do ano é questão de honra para o governo de Michel Temer e corria o risco de não ocorrer se o Supremo afastasse Renan e se o petista Jorge Viana (AC) assumisse a presidência do Senado.
Com ar de senhor do raio e do trovão, Renan pronunciou uma frase que soa como escárnio depois do chá de banco que deu no oficial de Justiça encarregado de comunicar-lhe da liminar do ministro Marco Aurélio Mello, que determinava seu afastamento.
– Decisão do Supremo fala por si só. Não dá para comentar decisão judicial. Decisão judicial do Supremo Tribunal Federal é para se cumprir – disse o presidente do Senado.
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A declaração é estudada como cada mínimo gesto da velha raposa política. Promotor aposentado, o jornalista Cláudio Brito captou a sutileza: Renan tomou o cuidado de, mesmo não recebendo o oficial, encaminhar um recurso ao Supremo. O recurso é a prova de que tomou conhecimento da decisão e a contestou pelo caminho da legalidade. Outro detalhe que pode parecer irrelevante, mas não é. Embora não tenha limpado gavetas, Renan não assinou nenhum ato privativo do presidente do Senado enquanto durou o impasse. Quem suspendeu as sessões foi o vice-presidente, Jorge Viana.
O advogado Clóvis Barros lembra que, por ter se recusado a receber a intimação, Renan corre o risco de ser processado por crime de obstrução de Justiça. A pena é mínima, mas em caso de condenação ele deixaria de ser primário, ponto importante para outros processos que terá de enfrentar.
O reinado do senador alagoano na presidência do Senado termina no dia 1º de fevereiro. Depois, sem o poder que o cargo lhe confere, Renan Calheiros terá de gastar tempo e dinheiro com a defesa nos processos a que, cedo ou tarde, terá de responder.
O caso que o transformou em réu – e deu origem à polêmica – é o menor dos problemas. Nesse, que passou quase uma década adormecido no Supremo Tribunal Federal, a acusação é de que a Construtora Mendes Júnior pagava a pensão da filha que teve com a jornalista Mônica Velloso. Difícil mesmo será lidar com as acusações de diferentes delatores que o acusam de receber propina nos esquemas da Petrobras. Entre eles, o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado, versão moderna do índio Juruna, que gravou os caciques do PMDB.
É indiscutível que Renan ganhou a batalha no Supremo contando com a rede de proteção montada pelo Palácio do Planalto, com a ajuda dos ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e José Sarney, mas a guerra que envolve a Lava-Jato será longa e travada em terreno hostil. E ainda falta abrir o conteúdo da delação da cúpula da Odebrecht.