Transformado em ato político pela presença de milhares de militantes em Curitiba, o interrogatório do ex-presidente Lula, pelo juiz Sergio Moro, foi um dos mais longos da Operação Lava-Jato. Durou quase cinco horas. Distantes da sala de audiências, deputados, senadores ex-ministros e até a ex-presidente Dilma Rousseff aguardavam o término do depoimento sem saber quando acabaria. Moro e os procuradores do Ministério Público Federal exauriram o réu e cansaram a torcida concentrada em frente à Universidade Federal do Paraná.
Para dar o tom político, Lula preocupou-se com os detalhes. Em vez da gravata vermelha, cor predominante na vestimenta dos seus apoiadores, o ex-presidente usou uma gravata nas cores azul, verde e amarela, que remetem à bandeira do Brasil.
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Enquanto Lula era interrogado em sessão fechada e os militantes se concentravam na praça em frente à UFPR, em todo o Brasil travava-se uma batalha no mundo virtual. Nas redes sociais, o ex-presidente e o juiz se mantiveram durante toda a tarde no topo dos assuntos mais comentados.
Os primeiros vídeos com a gravação do depoimento só foram divulgados por Moro depois das 19h30min. As imagens mostram que o depoente estava tenso. Moro fez as perguntas em tom monocórdio, chamando Lula de "senhor ex-presidente".
O tempo de duração do interrogatório dá uma ideia do calvário que Lula ainda tem pela frente. O ex-presidente é réu em cinco ações penais. O processo a que se refere este primeiro encontro com Moro é limitado à investigação de uma acusação de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, envolvendo o triplex de Guarujá, reformado pela Construtora OAS e que, segundo o depoimento de Léo Pinheiro, nunca foi colocado à venda porque estava reservado para a família de Lula.
É certo que o ex-presidente não tomou posse do imóvel. Os advogados sustentam que não existe escritura em seu nome e que o imóvel não foi utilizado pela família Lula da Silva. O problema dessa linha de defesa é que, em investigações de corrupção passiva, o juiz pode considerar o réu culpado mesmo quando o negócio não se consuma.
Estudioso do tema, o procurador-geral do Ministério Público de Contas, Geraldo da Camino, lembra que, pela lei, é considerada crime de corrupção passiva "a mera solicitação ou aceitação de promessa de vantagem indevida".
Léo Pinheiro diz que a OAS ofereceu e que Lula aceitou o apartamento, mas o negócio foi abortado depois que estourou a Lava-Jato. Até aqui, seria palavra contra palavra. Mas é inquestionável que a OAS reformou o imóvel e que a ex-primeira-dama Marisa Letícia orientou a reforma. No depoimento, Lula disse que nunca houve interesse em adquirir o triplex. Que só tomou conhecimento da existência do apartamento em 2013, visitou o imóvel a convite de Léo Pinheiro em 2014 e constatou que estava "praticamente desmontado":
– Coloquei 500 defeitos e nunca mais conversei com ele sobre o apartamento.