Com tudo o que se conhece sobre a forma como a campanha de 2014 foi financiada, será difícil para o brasileiro médio entender uma provável absolvição da chapa Dilma-Temer pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O ministro Herman Benjamin produziu um relatório consistente, que corre o risco de ruir na sessão de hoje se prosperar a tese de que os juízes não devem levar em conta o que foi apurado a partir das delações premiadas de executivos da Odebrecht e dos marqueteiros Mônica Moura e João Santana.
Pelo que se viu nos dois primeiros dias, esse julgamento renderia um ensaio sobre o cinismo e sobre o peso da motivação política em um processo que, a rigor, deveria ser jurídico.
Leia mais:
Sempre tem mais
Os homens de confiança de Michel Temer
Temer ganha tempo do STF para estudar roteiro da Polícia Federal
Benjamin teve o cuidado de não usar as delações em si, mas partiu delas para interrogar testemunhas que confirmam o abuso do poder econômico e político, com pagamentos no Exterior, omitidos da Justiça Eleitoral e feitos com dinheiro de propina.
O presidente do TSE, Gilmar Mendes, tomou para si a tarefa de desconstituir o relatório, alegando que Benjamin deveria ter ignorado o conteúdo das delações. Sem disfarçar que tem lado, debochou do relator e interferiu incontáveis vezes na leitura, para tentar desqualificar o trabalho.
Gilmar está alinhado com as defesas de Dilma e Temer, que querem excluir a Lava-Jato do processo. O curioso é que, no passado, quando Dilma ainda era presidente, o ministro defendeu o aprofundamento da investigação sobre ilegalidades na campanha. Agora que as irregularidades foram explicitadas pelos delatores, convocados a depor pelo ministro Benjamin, Gilmar diz que não podem ser aproveitadas.
O relator lembrou que, desde o começo, a ação proposta pelo PSDB para cassar a chapa previa análise de "financiamento de campanha mediante doações oficiais de empreiteiras contratadas pela Petrobras como parte da distribuição de propinas".
Curioso é que o ministro convocou testemunhas que, em outras circunstâncias, teriam sido indicadas pelos autores da ação. A explicação é simples: depois do impeachment, o PSDB aderiu ao governo Temer e perdeu o interesse pelo processo. Em um ensaio sobre o cinismo, os tucanos estariam em todos os capítulos.