
Platão nasceu em 428 a.C., terceiro ano da Guerra do Peloponeso (431 – 404 a.C.), que levaria Atenas à exaustão e precipitaria o fim do período iluminista da cidade, apogeu da isonomia, época de Péricles, século da Tragédia Grega (Ésquilo, Sófocles, Eurípides), dos escultores Policleto, Míron e Fídias, dos grandes mestres sofistas (Anaxágoras, Górgias, Protágoras), era de revoluções também na Medicina, no Direito, na Arquitetura, entre outras realizações fundamentais. Feito maior, a invenção da autonomia política. Ao final da guerra, houve golpes políticos de enorme violência, depondo temporariamente a democracia (411 e 404 a.C.); após a guerra, Atenas era uma cidade esvaziada.
Apuraram-se culpados, houve caça às bruxas, quadro que explica a execução de Sócrates, em 399 a.C.. Platão assistiu a tudo e reagiu em sua filosofia e em sua ação cívica. Primeiramente, escreveu a Apologia de Sócrates, que descreve o julgamento do mesmo; logo criou a Academia, que perdurou até que Justiniano a fechasse, em 529 d.C.. Ponto culminante, escreveu a República (c. 380 a.C.), nome com que se traduz o tratado de nome grego Politeia, ou seja, "Constituição".
Na República, Platão idealiza a cidade; em seu Livro VII está a famosa Alegoria da caverna, que ilustra como o conhecimento liberta e, em seu epílogo, como o filósofo educador é recebido com rancor e inconformidade. Os prisioneiros da caverna não querem libertar-se. A imagem rememora o triste destino de Sócrates e antecipa as adversidades trágicas de muitos filósofos mortos pela fúria dos intolerantes, mas também o fardo de todos os educadores, especialmente os brasileiros, ora expostos à irracionalidade de quem não quer as luzes do conhecimento.
Platão foi precedido por outra geração de educadores, os sofistas, a quem acusa injustamente, pois eram vanguarda filosófica. Anaxágoras educou Péricles e descobriu, entre outras coisas, que a Lua foi resultado da colisão de um asteroide contra a Terra, muito tempo atrás. Passou maus bocados em Atenas e teve que se exilar, mas sabemos que ele e os sofistas foram pilar das revoluções do século V a.C., e desenvolveram a arte retórica, necessária ao debate político. Atenas sabia que para avançar na isonomia (democracia) era preciso educar com vigor e, sobretudo, discutir a cidade.
Não à toa, um dos livros mais importantes da história da cultura, a República, discute sociedade, governo, arte e educadores. Nem tudo são flores nesta obra, que formula a ideologia do rei filósofo e uma justificativa autocrática, que Platão pensava ser antídoto aos problemas da democracia. Aristóteles (384 – 322 a.C.), que estudou na Academia por cerca de 20 anos, colecionou 158 constituições, examinou-as e escreveu a Política, obra fundamental. É crucial que o melhor da potência intelectual seja usado para se analisar o mundo em que vivemos, a cidade, a política. Esta ciência evoluiu na modernidade em capítulos essenciais escritos por Maquiavel, Hobbes, Rousseau, Marx, Durkheim, Weber, Foucault e muitos pensadores, professores e estudantes que tomam esta matéria a sério.
Não podemos evoluir como sociedade sem examiná-la com rigor, visando a sua melhora. Em vários momentos, optaremos por caminhos diversos, mas este caminho não poderá ser o horror obscurantista pretendido pelos reacionários; a democracia surgiu das relações entre educação e política, e assim evoluiu, causa de muito progresso e melhora da qualidade de vida. Hoje, inimigos da liberdade conspiram contra ambas, democracia e educação, e, se pudessem, apedrejariam Platão e seus leitores. Não contem com o silêncio dos educados.
* Francisco Marshall escreve mensalmente no Caderno DOC.