Uma bala, projétil, pode ser a síntese da impotência com destrutividade. Pode ser a falência do pensamento, colada à descarga do mal, pode ser a morte dominando a vida, em vida. Pode ser escrito, filosofado, ter narrativas do filogenético ao ontológico, do cultural ao econômico, do que quiserem. No entanto, entre o discurso e os fatos, vive-se nesta patológica urbe a obscenidade da insegurança.
Virou o fio há muito. A sequência deste estado de vulnerabilidade entrou no campo do perverso. Um Estado (e federação também), de tão reduzidas mostras de competência, já mostrou adaptações para a excepcionalidade. Olhe-se a Copa passada e o que se organiza para a Olimpíada. Incrível é que não se considere como a verdadeira excepcionalidade o dia a dia desta população. Somos os destutelados, atletas do cotidiano, com impostos a pagar e sorrateiramente engolfados na cultura da restrição pelo medo. E, à classe dirigente, falta-lhe criatividade, e o preciso sentido de urgência.
Aos dias-da-Lava-Jato, materializou-se o engodo que transferiu, de terno e gravata, a falta e a opressão para o outro, e o outro somos nós agora confinados às grades das moradias e ao déficit público. Antes da interrogável corresponsabilidade social, ou de se ter eleito, A ou B, ou ainda, ter de conviver com o chavão "a vítima reagiu ao assalto", como se uma desobediência a um treinamento e à delinquência repousasse em algum artigo da Constituição, importa considerar, para uma parcial compreensão deste desastre do qual precisamos sair, o surpreendente quantum do contencioso desta outra delinquência encontrada atrás de suas máscaras eleitoreiras.
Não me alongo se Foucault teria razão, se estamos presos à engrenagem ou se há como mudá-la. Importa estar exposto à bala avulsa, cujo exemplo último e trágico foi o desta mocinha, Sara Tótaro, de 22 anos, ao que peço licença e me solidarizo na dor com sua família, para me reportar ao fatal desta avulsividade sórdida.
É instigante como, no círculo dos órgãos competentes, consegue-se ainda propagandear, alardear e justificar seus governos e administrações. Não raramente, abanos e sorrisos. Alguma inimaginável robustez de ego ou uma distância aos fatos devem permitir o que parece impossível.