* Doutora em Filosofia
É inevitável certa inquietação quando se atinge um determinado nível de consciência que permite identificar, com clareza, a profanação dos espaços, ainda mais quando se fala sobre espaço da presidência, a sala do presidente.
Na universidade, por exemplo, quando pensamos no espaço da reitoria, acessar a sala do reitor, falar com o reitor, requer prévio agendamento e anúncio de pauta relevante, isto é, pré-requisitos fundamentais também para o acesso a outros espaços e suas relações de poder.
Na casa também há os espaços comuns e os lugares sagrados onde as visitas não adentram com facilidade. Ainda há uma certa sacralidade em alguns espaços.
Aprendemos que o espaço ocupado pelo presidente é um espaço para poucos. Raramente consegue-se, enquanto cidadão comum, falar com o presidente; aliás, nem imaginamos que com ele seja possível um diálogo qualquer.
O presidente, de início, fez uso da mesóclise no seu discurso para, talvez, mostrar que até mesmo o espaço da sua linguagem não estava inserido na esfera do comum.
É instigante imaginar em quais lugares, entre as seguintes oposições – espaço público x espaço privado; espaço da família x espaço social –, poderia ser encontrada essa parcela secreta de sacralização, sua relação entre os espaços e quais os espaços passíveis de serem profanados, isto é, restituídos ao uso comum dos homens, mas nessa hipótese para atender às relações de poder.
Cabe sublinhar que os espaços das casas do presidente são guardados por seguranças treinados para impedir o acesso dos comuns e garantir a segurança dos poucos, bem-vindos. Interessante verificar como, na conjuntura atual, o espaço se tornou espaço dos poderes, dos interesses, das inversões, das conversas sub-reptícias que olvidam o interesse social, demonstrando a relevância do espaço enquanto elemento de análise fundamental dos acontecimentos históricos.
A profanação desses espaços é apenas mais um elemento somado à descrença derivada dos últimos acontecimentos restando-nos a esperança da transformação de tais espaços em espaços da verdade.