* Médico
"Vivemos de migalhas. Nosso trabalho é trocado por uma esmola mensal".
É o que deve pensar o cidadão brasileiro. Seus trocados lhes chegam podados – em quase 40 % – por impostos e taxas destinados, pretensamente, a alimentar a uma esfomeada burocracia estatal.
Mas eis que surgem diante de seus olhos e ouvidos cifras astronômicas: fala-se de milhões e bilhões de reais ou dólares com a maior naturalidade, num vai e vem sucessivo e interminável, dando a entender que seus manipuladores conhecem profundamente o real valor de nossa moeda, satisfazendo-se somente com tais níveis de remuneração, desde que recebidos integralmente, sem a poda habitual do fisco a que estão sujeitos os integrantes da plebe, como esses áulicos devem nos considerar.
De repente, surge diante de seus olhos imagem de um conjunto de caixas e malas abertas, mostrando algo jamais visto. Alguém que labutou em altos cargos do serviço público guardava – praticamente aos olhos de quem quisesse ver, porque escondido não estava – imensa coleção de papel pintado, representativo de, nada menos, R$ 50 milhões. Seria ele um colecionador compulsivo, um sovina doentio, um paranoico monetário, cuja desconfiança levava-o a desprezar os rendimentos que obteria junto aos bancos nas aplicações usuais? Pensaria ele que, por se tratar de gorjetas recebidas a larga mano por arranjos burocráticos que facilitaram e enriqueceram a vida de terceiros, não representassem nenhum tipo de desvio moral?
Chegamos então à triste conclusão que somos escravos, pois nada de significativo recebemos como trabalhadores ou aposentados. Ainda assim, sem o menor remorso, os espertos tomam como seu o que lhes destinamos compulsoriamente a cada mês...
Admita-se a diferença e que ela exista, pois é salutar quando proveniente do esforço e da criatividade de cada um. Mas essa da qual se fala é furto, puro e simples. Subjuga-se o Estado ao interesse individual de alguns que, pagos para administrar a coisa pública, se dão conta de que a remuneração é escassa e passam a procurar outras formas que lhes pareçam mais justas...
De tão generalizados, tais procedimentos correm o risco de serem considerados normais, comuns ao serviço público, passando a ser anormal ou fora do contexto o procedimento contrário!