No debate sobre o sistema prisional gaúcho, a carência de direitos e a sobrelotação de estabelecimentos penais costumam alicerçar propostas de desencarceramento ao arrepio da legislação vigente. Mas será inescapável essa solução miraculosa? Será que de duas ilegalidades nasceria uma legalidade? Embora o domínio dos presídios por facções criminosas seja visto como verdade posta e imutável, o exemplo de certas iniciativas mostra que o Estado não precisa render-se ao crime.
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E uma dessas iniciativas encontra-se no Complexo Penitenciário da Papuda, do Distrito Federal. Famoso por receber políticos como o ex Senador Luiz Estevão, o Deputado Rocha Loures e outros, a Papuda, hoje, responde por aproximadamente 15.500 presos em 7.000 vagas. A imensa maioria sem o glamour daqueles que aparecem nos noticiários. Enfrenta os mesmos problemas de sobrelotação e de carência de direitos das demais unidades do país afora. E, no entanto, lá, é o Estado que comanda as galerias, não o contrário.
Na entrada, os presos são atendidos por equipe multidisciplinar, tomam as vacinas obrigatórias e têm os cabelos raspados. Sem exceção. Após a primeira visita, começam a usar apenas roupas brancas trazidas por seus familiares. O Estado não subsidia as vestimentas. As galerias, com celas fechadas, não possuem representantes dentre os presos. A notícia de remição por trabalho como "prefeito de galeria", usual no Rio Grande do Sul, foi recebida com alguma surpresa pelo diretor do Centro de Detenção Provisória _ CDP. As visitas acontecem uma vez por semana ou até quinzenalmente para os presos definitivos. Os provisórios recebem visitas a cada 21 dias.
Nas paredes não se visualizam símbolos de controle territorial. Os presos que se declaram membros de facção criminosa são alojados em celas de isolamento. Muitos deles acabam denunciados por organização criminosa em trabalho conjunto do Ministério Público, Polícia e unidades de inteligência prisional. Nas celas coletivas, qualquer manifestação ostensiva de facção determina realojamento de todos presos para outras celas, o que dificulta o domínio e comércio de espaços, a estruturação de forças e alianças e mesmo o planejamento de fugas. Aliás, realojamentos ocorrem com alguma frequência independente de qualquer motivo específico. A rotina prisional é severa, e o sistema de Justiça a fiscaliza com o mesmo rigor. E assim, medidas relativamente simples evitam que as prisões da Papuda sejam dominadas pelo crime. Ao menos não ao nível de capitulação do Poder Público.
Lá, o Estado não negocia espaços prisionais com líderes criminosos, não pede favores, não pede desculpas por cumprir sua missão constitucional. Na Papuda não é perfeito. Está longe disso. Mas mostra que é possível não se render ao crime. Mostra que, quando há interesse e vontade, não existem soluções inescapáveis.