
Próxima etapa do plano cicloviário a ser executada pela prefeitura, o complexo da Avenida Sertório, na zona norte de Porto Alegre, já é motivo de polêmica entre cicloativistas.
No projeto executivo da ciclovia obtido pela a Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta (Mobicidade) junto à Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), diversas partes dos 12 quilômetros da faixa foram previstos sobre a calçada.
- A questão é que nunca tirarão o espaço do pedestre. Ou seja, a ciclovia vai continuar sendo usada como calçada, com as pessoas circulando, enquanto quem quiser usar a bicicleta perderá muito mais tempo de deslocamento. Prejudica ao invés de ajudar - reflete o comerciante Marcelo Guidoux Kalil, que integra a Mobicidade.
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No documento da prefeitura de Porto Alegre divulgado pelo grupo, trechos das avenidas Severo Dulius e Assis Brasil e das ruas Augusto Severo e 18 de Novembro, que integram o Complexo Cicloviário Sertório, são alguns em que a ciclovia é compartilhada: pedestres e ciclistas terão de dividir o mesmo espaço.
De acordo com o diretor-presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari, o projeto está em fase final de avaliação pela Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov) e será executado depois da Copa do Mundo.
- A adequação do projeto executivo levou em conta todo o cenário local, para ajuste de espaço. Quem poderia dar detalhes é o Antônio (Vigna), que é o gerente de projetos. A gente queria aguardar a informação da Smov para poder divulgar o andamento - disse.
A reportagem tentou contato com o gerente de projeto da EPTC, que esteve em reunião na quarta-feira e durante a manhã de quinta-feira. Mais tarde, a assessoria de imprensa informou que a empresa só poderá falar sobre o assunto na semana que vem.
A utilização da calçada para construir as ciclovias em vez de estacionamentos ou faixas de rolamento já ocorre em alguns locais da cidade, como a Avenida Diário de Notícias e a Restinga. Mas está longe de ser a solução ideal, segundo especialistas.
Para o urbanista Ricardo Corrêa, responsável pelo desenho da rede cicloviária de Porto Alegre e coautor do livro A Bicicleta e as Cidades, a escolha é fruto de um planejamento urbano voltado para o carro.
- O que acontece de maneira geral no Brasil é que não temos sistemas cicloviários. Temos ciclocoisas, estamos investindo no que eu chamo de ciclovia 1.0 - na Holanda, por exemplo, o sistema é 3.0. Isso é o começo, mas não é a melhor opção para o ciclista, porque está ligado ao sistema viário. A preocupação é atrapalhar menos o carro.
O doutorando em gestão urbana Rafael Medeiros, que estuda políticas públicas de mobilidade urbana para bicicleta e é consultor de ciclomobilidade, acredita que ciclovias sobre calçadas não têm utilidade real para os ciclistas.
- Elas correspondem a compartilhar, em uma via expressa, o espaço entre carro e bicicleta, como já fazemos. Se o compartilhamento de via funcionasse, teríamos o maior uso da bike no mundo, porque aqui as vias de todas as cidades são compartilhadas, e, no papel, dão prioridade para a bicicleta.
Medeiros, que também é ciclista, acredita que o desenho urbano é determinante para estimular ou desestimular o uso da bicicleta como meio de transporte. Ciclovias na calçada, segundo ele, não estimulam.
- A pessoa tem que se sentir segura e atraída para usar a bicicleta. Em Curitiba, onde eu moro, 70% da malha cicloviária é sobre a calçada, e a maioria dos ciclistas prefere ir pelo meio da rua, que é menos seguro, porque têm que disputar espaço com pedestres.