Legisladores municipais se importavam com o bucólico chiar das rodas das carretas
Foto: Reprodução
Trajes de banho usados na década de 1950
Foto: JANETE MACHADO/ARQUIVO PESSOAL
Era proibido soltar pandorgas ou empinar pipas na zona urbana
Foto: MATHEUS BRUXEL/AGÊNCIA RBS
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Até setembro, deve ser enviado à Câmara de Vereadores um novo Código de Posturas de Porto Alegre. Junto, deve ser entregue uma proposta para se modificar processos administrativos que tornarão mais eficiente a aplicação das multas a quem não respeitar o código, bem como uma revisão dos valores das taxas cobradas atualmente, que são irrisórios, como reconhece Plínio Zalewski, coordenador do Grupo de Trabalho do Código de Posturas de Porto Alegre.
Até os vereadores aprovarem o novo texto, segue em vigor o código de 1975, disposto na Lei Complementar Municipal nº 12. Se buscarmos legislações mais antigas que regravam as chamadas posturas, é possível perceber que as mudanças em seu conteúdo refletem as alterações pelas quais a sociedade passou. É possível observar também questões que eram alvo de preocupação em outras épocas que hoje são ultrapassadas ou até mesmo inimagináveis.
O Livro de Registro das Posturas Municipaes de 1829 até 1888, organizado pelo Arquivo Histórico de Porto Alegre Moysés Vellinho, ligado à Secretaria Municipal da Cultura, traz diversos exemplos disso:
Não pode assobiar
"Capítulo 43 - Prohibe-se que os cangueiros libertos, ou escravos, e outros quaesquer carregadores dem assovios, ou fação vozerias, e qualquer outro motim nas ruas, e Praças da Cidade, e Povoaçoens do Termo; assim como os toques de taboleiros, e igualmente o chiar dos carros, ou carretas dentro da Cidade (...)"
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"Sem prever os monstruosos ruídos que viriam a assolar as urbes depois da revolução industrial, os legisladores municipais se importavam com o bucólico chiar das rodas das carretas", comenta o historiador Sérgio da Costa Franco no prefácio da obra.
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Cadeia para lixo no lugar errado
Os pontos para despejar o lixo também foram alvo de preocupação, sobretudo, dentro do período em que a cidade sofreu com o sítio imposto pelos farroupilhas, que ocorreu, de forma intermitente, de 1836 a 1840:
"Capítulo 50 - (...) Toda a pessoa que de dia, ou de noite for emcontrada pelos encarregados da execução das Posturas á lançar ciscos, e a fazer quaesquer outros despejos de immundicieas fora dos indicados lugares, sendo livre soffrerá a prizão por tres dias na Cadea, e pagará dentro della a multa de tres mil reis, e sendo escrava será condusida, á Cadea e ahi castigada com cincoenta açoutes, e immediatamente solta."
"Já em 1842, estando suspenso o sítio à capital, retificou-se a disposição anterior, para proibir os despejos de lixo em todo o litoral do Centro Histórico, desde a Rua de Bragança até a Rua Clara (da Marechal Floriano à Gen. João Manoel)", descreve o historiador.
Fechamento ao toque do sino
"Capítulo 34 - As lojas, armazens, botequins, casas de pasto, tabernas, bilhares, e outras semelhantes casas, se fecharão todas as noutes ao toque do sino da Camara, sob pena de hum mil réis pela primeira transgressão, de dous mil réis pela segunda, e de quatro mil réis pelas mais vezes; incorrendo em iguaes multas quaesquer pessoas, que, depois das referidas horas, fizerem vozerias, e estrondos nas ruas, ou castigarem escravos em suas casas de modo, que perturbem a visinhança."
Limite às chibatadas
Mais espantosa ainda é uma postura adicional de 1831, que disciplinava sobre castigos a escravos:
"Artigo Addicional - Ficão prohibidos os castigos feitos em lugares patentes, e publicos aos escravos; os quaes serão castigados em parte interior da Cadêa, e por huma só vêz. Outro sim, não excederão os castigos a quarenta açoutes."
Restrições aos cortiços
Como observa Sérgio da Costa Franco, o crescimento da população urbana de condição pobre gerou sub-habitações coletivas de caráter precário e condições anti-higiênicas, o que explica a postura aprovada em fins de 1877:
"Artigo 1 - Fica proibida na área da cidade, limitada pela rua Coronel Fernando Machado ao sul, pela rua Conceição ao nascente, pela rua 7 de Setembro até a Vasco Alves ao norte, e por esta ao poente, a construção de casas denominadas - cortiços.
Artigo 2 - Fica prohibida a morada em porões, nos limites da cidade, que não tenhão pelo menos dois metros de altura, a contar da soleira da porta, sem ar e luz convenientes. Os proprietários ou moradores, que alugarem ou sublocarem porões que não estejão n'estas condições, incorrerão na multa de vinte mil réis, e na reincidência na de trinta mil."
Legislação de 1950
Já a Lei 283 de 1950, o código anterior ao de 1975, traz artigos que proíbem desde sacudir tapetes ou capachos das aberturas de prédios a soltar pandorgas ou empinar papagaios nas vias públicas onde existem fios de iluminação ou telefônicos. Para se ter uma ideia do valor das multas, vale lembrar que era Cr$ 380,00 o salário mínimo quando a lei foi publicada no Diário Oficial.
"Artigo 31 - É proibido, na zona urbana, sob pena de multa de Cr$ 50,00 a Cr$ 100,00: (...)
b) sacudir tapetes ou capachos, das aberturas de prédios para a via pública.
c) colocar, nas janelas ou balaústres das sacadas objetos que possam cair na via pública, tais como: vasos, floreiras e outros.(...)
h) fazer ligação elétrica para máquina fotográfica ou otras, de forma a embaraçar o livro trânsito."
Atenção aos trajes de banho
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Também constavam artigos sobre o que era permitido fazer nas praias e balneários:
"Artigo 64 - É proibido nas praias e balneários, sob pena de multa de CR$ 100,00 a Cr$ 1.000,00 e obrigação de indenizar os prejuízos e danos causados:
a) banharem-se pessoas portadoras de moléstias contagiosas.(...)
Artigo 65 - É defeso aos banhistas usarem trajes que atentem contra a moral e os bons costumes.
Parágrafo 1° - Os banhistas só poderão trocar de roupa nos locais reservados para êsse fim."
Chapéu à cabeça
Era proibido, inclusive, que empresários de casas ou locais de espetáculos, ou os seus responsáveis, permitissem que os espectadores, sem distinção de sexo, assistissem às funções "de chapéu à cabeça":
"Capítulo III - Dos Divertimentos
Secção 1 - Casas de Espetáculos
Artigo 74 - Os empresários de casas ou locais de espetáculos, ou os seus responsáveis, sob pena de multa de Cr$ 500,00 a Cr$ 1.000,00, são obrigados a:
b) impedir que os espectadores, sem distinção de sexo, assistam às funções de chapéu à cabeça.(...)"
Brinquedos perigosos
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O código incluía, ainda, uma proibição dos brinquedos "de pegar", de "cabra cega", ou semelhantes em ruas de movimento e em qualquer via pública ou outro logradouro, os "brinquedos perigosos, que possam causar dano à propriedade alheia ou a pessoas, ou que embarque o trânsito".
"Artigo 228 - Dentro do perímetro da zona urbana, sob pena de multa de Cr$ 20,00 e apreensão, é proibido soltar pandorgas ou empinar papagaios, e, nas outras zonas, so é permitido êsse recreio infantil em locais onde não existam fios telefônicos ou de luz e fôrça.
Artigo 229 - Em ruas de movimento, são proibidos os brinquedos "de pegar", de "cabra cega", ou semelhantes e, em qualquer via pública ou outro logradouro, os brinquedos perigosos, que possam causar dano à propriedade alheia ou a pessoas, ou que embarque o trânsito.(...)
Festa de família não é algazarra
"Artigo 231 - Das 22 horas às 6 horas do dia seguinte, quer em locais públicos quer em particulares, não é permitida algazarra.
Parágrafo único - Não se considera algazarra, o ruído de festas familiares ou de bailes levados a efeito por sociedades organizadas."
FONTES:
- Livro de Registro das Posturas Municipaes de 1829 até 1888. PORTO ALEGRE. Secretaria Municipal da Cultura. Coordenação da Memória Cultural. Porto Alegre, 2013. Editora da Cidade.
- Lei 283/1950