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
Alguns param, curiosos, para ver e até fotografar a estrutura instalada em frente à Faculdade de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em Porto Alegre. Outros criticam a perda do equivalente a quatro vagas para veículos na Rua Sarmento Leite. O parklet, novidade no Brasil, mas disseminado nos Estados Unidos e na Europa, foi instalado na terça-feira por estudantes de Arquitetura dentro da Semana Acadêmica para questionar a relação das pessoas com a cidade: o que é mais legal, um estacionamento ou um deck para quem quiser sentar, conversar ou realizar oficinas e atividades culturais?, questionam.
Foto: Tonico Alvares, arquivo pessoal
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Enquanto aproveita o local, o grupo tenta legalizá-lo na Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC). Por enquanto, seguiram algumas recomendações da EPTC, como deixar uma espécie de cone sobre o asfalto e colar faixas reflexivas nas laterais do parklet, que foi feito com paletes - tipo de caixas de madeira utilizadas para transportar materiais. Há um acordo para que a estrutura fique no local até o dia 31, relata o grupo, mas os alunos acham que a EPTC pode retirá-la antes. Eles tentam obter a liberação do órgão de trânsito o mais cedo possível.
O custo do parklet foi de R$ 750, bancado pelo diretório acadêmico, diz a estudante Laura Krebs. Ela é uma dos 20 universitários mais envolvidos na ideia.
- É um questionamento que vem dos alunos. A faculdade é bem ortodoxa, grande parte dos professores tem viés modernista. Enquanto isso, nós temos contatos com muitos coletivos. A opinião geral é de que Porto Alegre segue uma lógica do carro, de não valorizar o pedestre - afirma.
Foto: Tonico Alvares, arquivo pessoal
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Apesar de toda a empolgação dos estudantes, a Faculdade de Arquitetura não se envolve. Abordada enquanto passava pelo parklet, a diretora da Arquitetura, Maria Cristina Dias Lay, deixou claro que a instituição não tem nada a ver com a iniciativa dos acadêmicos.
- Me preocupa a segurança dos alunos - disse.
Foto: Tonico Alvares, arquivo pessoal
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Debate é aberto na calçada da faculdade
O pessoal estava todo reunido em torno do parklet quando um rapaz vestindo uma camiseta com uma bicicleta estampada se aproximou, segurando na guia dois cães shitsu, o Google e a Valentina. Era o dentista Felipe Matoso, 29 anos, que mora em São Leopoldo e por questões pessoais tem de vir seguidamente à Capital. Costuma estacionar na área da UFRGS. Ele olhou para a estrutura e disse:
- Eu não gostei.
- Por quê? - perguntou uma estudante.
- Tira quatro vagas de carro. Se querem fazer isso, façam lá dentro da universidade.
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O clima ficou um pouco tenso. Os alunos da Arquitetura se olharam de soslaio. Começou um debate sobre a problemática falta de vagas para automóveis na cidade versus o represamento de espaços urbanos para as pessoas.
- Tirando vagas de carros, vocês não vão solucionar o problema - argumentou Matoso.
- Queremos transformar só algumas vagas, não todas. Isso existe em várias cidades do mundo.
- Eu sei. Em Nova York tem, mas é suspenso.
- Não é suspenso.
- Imagina se eu venho pra Santa Casa e não tem vaga aqui?
- Por causa do parklet?
- Sim.
- Mas nunca tem vaga aqui, cara, com parklet ou sem.
- Sinceramente, isso atrapalha.
- Você está sendo egoísta.
- Não estou. Vocês não têm alvará para instalar isso aí.
- Estamos tentando conseguir. Às vezes é preciso um pouco de transgressão na vida. Tu tá com uma camiseta de bicicleta. Tu é ciclista?
- Não.
- O que tu acha das ciclovias?
- Apoio.
- Então? O carro é um bem privado. No momento em que tu para o carro num lugar, tu privatiza o lugar.
- Mas a gente paga imposto pra isso.
Ninguém convenceria ninguém. E isso apaziguou os ânimos.
- Tu pode sentar aqui com os teus cachorrinhos - convidou uma estudante.
- Não posso, não... - respondeu Matoso, sorridente.
No fim, ficou tudo bem. O dentista cumprimentou o pessoal e saiu com o Google e a Valentina. Laura contou que outro questionamento partiu de uma mulher que deixou um bilhete no parklet, criticando a ocupação das vagas de carros.
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O vereador Marcelo Sgarbossa (PT) apareceu no local pouco depois da saída de Matoso. Ele é autor de um projeto de lei que legaliza a instalação de parklets pela cidade. Sua previsão é de que possa ser votado no ano que vem. Mas entende que a aprovação de projetos de mobilidade que mudem a conjuntura atual, chamada por muitos ativistas de "carrocêntrica", é uma batalha dura. Um exemplo é o embate que está ocorrendo em São Paulo, onde o prefeito Fernando Haddad, também petista, decidiu apostar na criação de uma grande extensão de ciclovias, passando até na Avenida Paulista, e regulamentou os parklets. Muitos motoristas não gostaram nem um pouco.
- É preciso que o governo encampe a ideia - aponta Sgarbossa.
O diretor-presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari, considera que o parklet da Faculdade da Arquitetura é temporário. Ainda assim, garante ser uma "experiência" que poderá ser aproveitada pela prefeitura.