
As águas que um dia serviram ao desenvolvimento de Porto Alegre hoje são destino daquilo que não serve mais. Tão cheio de vida no século 19, quando era beirado por várzeas e casas, o Dilúvio foi, pouco a pouco, tornando-se um espelho dos males de uma cidade. A reforma de seu curso original, iniciada nos anos 1940, salvou das enchentes a Capital, mas condenou o arroio à poluição, ao descaso, ao desprezo. Não falta quem cuide do Dilúvio nos dias de hoje. Mas sua gestão é tão compartimentada que se torna incompleta, ineficaz. Emissões irregulares de esgotos, assentamentos nas nascentes e acúmulo de lixo são problemas transferidos de órgão para órgão.
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Arte: Leonardo Azevedo
Enquanto o Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) faz a dragagem, o Departamento Municipal de Limpeza Urbana (DMLU) cuida do lixo, o Departamento Municipal de Águas e Esgotos (Dmae) fiscaliza os esgotos e a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam) planeja sua revitalização. O resultado prático dessa divisão de poderes é que, ao contrário do que ocorre em boa parte das cidades do mundo, onde se aproveita a canalização de um curso d´água para contribuir em outras esferas (como oferecer lazer, aprimorar o interesse turístico e cultural, movimentar a economia), em Porto Alegre o Dilúvio persiste como um símbolo vivo (ou quase morto) do abandono.
- A visão simplificada de ter o projeto de canalização exclusivamente como uma medida sanitarista e de segurança é que afastou os porto-alegrenses do arroio - lamenta Carolina Burin, professora de Arquitetura e Urbanismo da Unisinos.
Bandeira de campanha de José Fortunati em 2012, agora a revitalização do Dilúvio é tratada como um tema secundário, dividido com a prefeitura de Viamão, onde está parte das nascentes. Vice-prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo diz que falta dinheiro e cita a "complexidade" como um dos entraves:
- Por exemplo: para fazer a limpeza das águas que passam pela UFRGS, o DEP precisa pedir a autorização. Na tentativa de solucionar o problema das famílias que vivem nas nascentes (que despejam esgoto doméstico diretamente no Dilúvio), propusemos o reassentamento com moradias do programa Minha Casa Minha Vida, mas apenas 37 das 200 e poucas aderiram.
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Aos que resistem em permanecer nas áreas, Melo pensa em oferecer a "verticalização" das vilas.
- Em vez de remover as pessoas, construiríamos prédios em áreas próximas para mantê-las juntas aos locais onde sempre viveram - afirma o vice-prefeito.
Nos links acima e abaixo nesta matéria, ZH empreende um passeio pelo Dilúvio, de suas nascentes escondidas à foz, no Guaíba, de seu passado a seu futuro - ou pelo menos a um sonho de futuro. Você entenderá de onde vem a poluição de suas águas e conhecerá gente que procura inverter o olhar da cidade para o arroio, com projetos de educação e conscientização ambiental.
O que faz cada órgão da prefeitura de Porto Alegre
DEP
A limpeza dos taludes com escavadeira hidráulica é a principal atribuição do Departamento de Esgotos Pluviais em relação ao arroio. O serviço é necessário para evitar o transbordamento e os alagamentos nas áreas próximas. Desde 1980, dragagens periódicas são realizadas. Em 2014, já foram retiradas mais de 10 mil toneladas de areia, restos de caliça, lodo, terra e entulhos.
Dmae
Mantém a vigilância em relação à regularização de esgotos sanitários. Pelo programa Esgoto Certo, os técnicos entram nas casas mediante autorização dos moradores e aplicam testes com corantes, para identificar se o esgoto domiciliar está ligado à rede cloacal. Caso esteja ligado à pluvial (água da chuva), os moradores são orientados a efetuar a correção. O Dmae não atua nas moradias irregulares.
DMLU
Faz a retirada eventual do lixo que flutua na superfície e áreas laterais. Em 2013, quando o departamento deu início à ação, foram realizadas quatro mutirões e removidas 267 toneladas de resíduo. Em 2014, as ações mais expressivas do Departamento Municipal de Limpeza Urbana ocorreram em março e às vésperas da eleição, quando um vendaval levou para dentro do arroio cavaletes de candidatos.
Smam
Responsável pela gestão do Parque Saint Hilaire, onde estão as nascentes, a Secretaria do Meio Ambiente tem pouco envolvimento com a gestão do arroio. Alerta em casos de impactos ambientais, licencia ações no arroio e integra eventuais projetos educativos. Dentro da prefeitura, é a secretaria responsável pela revitalização da Bacia do Arroio Dilúvio.